sábado, 27 de dezembro de 2008

Ti Estado

António Elisário Mira
"O Estado"

Aquele que foi e ainda é considerado, pela grande maioria dos velhos pescadores da Ericeira, como o melhor Sinaleiro que tiveram. Nasceu na Ericeira a 1 de Abril de 1901, filho de pai incógnito e de Judite da Trindade. Tendo como avós maternos Elisário da Silva e Alexandrina Maria Mira, casou com Gertrudes "Cacau" de quem teve cinco filhos.
Foi Sinaleiro desde 1938, até poucos meses antes da sua morte, em 1952. Durante estes 14 anos o "Ti Estado" como era conhecido, pôs centenas de pescadores em terra firme. As mães e as mulheres desses pescadores chegavam-lhe a pedir, com as lágrimas nos olhos, que salvasse os seus homens. Na grande maioria das vezes assim fez. Apenas se reconhece um único acidente, em 21 de Agosto de 1938, com um barco saveiro, onde iam dois homens a bordo. Este naufrágio deu-se devido à "estocada de água" que vinha do norte (Algodio), levando a frágil embarcação para cima da "lage grande"*. Os homens, já muito cansados de virem a remar de muito longe, não tiveram forças suficientes para vencer aquela corrente. Estes 2 homens só foram salvos devido à corajosa intervenção do "Ti" Joaquim Lopes Fortunato "Fala grossa" e do "Ti" Anastácio Arsénio "Palaia".
*- Esta "lage" de grande dimensão fica situada logo na parte sul da Praia da Ribeira (Praia dos Pescadores).
Barco típico dos anos 40 do século passado, na Ericeira. Esta situação "tipo surf" era habitual no nosso porto. Nesta foto o mar nem sequer estava bravo.
Havia um código de honra entre o Sinaleiro e os pescadores que consistia no seguinte: àquele só competia "tirar" as embarcações fora da rebentação do mar, além de medir o "raso" que desse tempo para chegarem à praia. O que se passasse, entretanto, era da responsabilidade dos homens que estavam dentro da embarcação. Não podemos esquecer que a grande maioria destas embarcações eram movidas a remos. Quem nunca passou por esta situação de depender do Sinaleiro, dificilmente compreenderá a mística que existe entre este e os pescadores. Tanto para uns como para os outros é o sentir de uma grande impotência, de uma grande pequenez em relação à força cega e monstruosa do mar.
Conta um pescador actual, o Alberto Bispo Mira "Mau-Olho", neto do "Ti Estado" que um dia, quando o seu avô estava fazendo os sinais, isolado de tudo e de todos, o filho, já homem feito, chegou-se ao pé dele perguntando se podia aprender. Logo o "Ti Estado" ordenou que o filho se retirasse dali, porque não sabia a tremenda responsabilidade que era ser Sinaleiro. Por aqui nos podemos aperceber do grande altruísmo destes homens que nada recebiam mas que tudo davam. Ocasiões houve em que todo este trabalho durava o dia todo; a maré vazava, tornava a encher e o Sinaleiro lá continuava "tirando", uma a uma, as embarcações fora do perigo do mar. Segundo dizem os pescadores mais antigos, a altura da maré em que o "Ti Estado" mais gostava de fazer sinais era à meia maré. Era habitual nele "marcar o mar", baixando-se até ficar com os olhos ao nível do muro das ribas, ficando apenas a ver-se a sua boina.
António Elisário Mira "Estado" faleceu, no Hospital da Misericórdia da Ericeira, no dia 8 de Setembro de 1952.
"Os Sinaleiros do Mar na Ericeira", Leandro dos Santos - 1994

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