quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (7)

Rua Direita de S. Sebastião ou rua do Forte, rua de Baixo


Junto a esta falésia existiram o caminho do carro e dois miradouros

Apesar de já terem sido referenciados estes dois topónimos, da actual rua de Baixo, voltamos a eles, em virtude destes dois nomes figurarem nesta mesma rua, durante bastante tempo, assim como, a partir de certa época, esta rua, foi fraccionada passando a ter vários outros nomes.
Nos finais do séc. XVIII, princípios do séc.XIX, estes nomes aparecem, para a mesma rua, em variada dcumentação dessas épocas. Encontramos mais vezes o topónimo Forte, bem como noutros documentos se menciona o topónimo rua Direita de S. Sebastião.
Não há dúvidas que estes topónimos se referem a esta rua, porque é referida em documento a existência de determinada moradia na rua Direita de S. Sebastião, junto ao Forte.
O topónimo Forte ganhou maior consistência principalmente durante o séc. XVIII e mais tarde em documentação dos finais do século XIX, ainda aparece rua de S. Sebastião.
O topónimo rua Direita de S. Sebastião deveria ter existido durante grande parte do séc. XVII e todos os anteriores, antes da construção do Forte. Ainda não existia o Forte, já esta rua existia, principalmente o lado poente até à travessa do Algodio. Portanto, é compreensível que este nome tivesse raízes mais antigas do que o topónimo Forte, levando as pessoas a manter e utilizar o antigo nome, apesar de outos mencionarem o novo nome do Forte.
Ainda hoje encontramos na Ericeira topónimos oficiais menos conhecidos ou vulgarmente menos utilizados que o topónimo antigo. Sabe-se que o carisma de um nome fortemente enraizado no povo, mesmo depois de ter passado bastante tempo e mesmo várias gerações, o seu primitivo nome se mantém em uso, e há casos em que não desaparece, dependendo da força, ou aceitação do topónimo novo.
Este topónimo de S. Sebastião é um desses casos, demorou bastante tempo a desaparecer nesta rua. O topónimo Forte ganhou força na memória do povo, em virtude da proximidade desta fortaleza, se bem que continuou em uso o antigo topónimo S. Sebastião. Como já se disse, esta rua é das mais antigas da Ericeira com urbanização, principalmente o lado poente. Nos finais do séc. XV já se encontrava bastante urbanizada.
Durante o séc. XVI a urbanização continuou pelo lado nascente da rua, apesar deste lado ter menos urbanização, devido aos quintais das moradias do lado poente da rua do Norte. O lado nascente da rua de Baixo era mais utilizado como serventia dos ditos quintais. Exteriormente aos fogos que foram construídos no lado poente, ou seja, pelo lado do mar, existiu um caminho chamado de carro. Este caminho deixou de existir ou ser transitável depois de 1860. Leva-nos, portanto, a deduzir que os primeiros fogos foram construídos a uma certa distância da falésia, só que esta, com a erosão e com o tempo foi-se degradando, ruíndo, e este mencionado caminho deixou de existir (ver foto acima). Aliás, o mesmo género de caminho que ainda hoje podemos encontrar desde a parte norte da praia do Algodio até S. Sebastião e mesmo este se não fôr protegido, irá desaparecer parcial ou totalmente.
Em relação a esta rua do Forte devemos também mencionar que depois de ter desaparecido o caminho do lado do mar, por volta de 1865, durante algum tempo do séc. XX ainda existiram dois miradouros para o mar, em diferentes lugares desta rua. Um deles, imediatamente a norte das instalações da Guarda Fiscal, o outro, sensivelmente a meio da rua. Estes dois miradouros foram ocupados pelas propriedades adjacentes. Mais um dos atentados, que no último século têm sido feitos ao património ericeirense.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"
(Fotos de João B.)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

10 de Fevereiro de 1929

Inauguração da estação telefónica

Na Ericeira, Vila deste concelho e esplêndida praia de banhos foi, às 17 horas do dia 31 de Janeiro inaugurada a estação telefónica na estação telegráfica, na qual participaram  os sr.s  administrador deste concelho e presidente da Câmara, capitão Pompeu Lobo de Sousa, tenente-coronel Joaquim Torres, 2º comandante da Escola Prática de Infantaria e os sr.s engenheiro da Administração Geral dos Correios e telégrafos, Administrador geral adjunto Vasco de Carvalho, Humberto Serrão, director interino dos serviços electrotécnicos, Joaquim Rodrigues Gonçalves chefe  interino da exploração telefónica, o inspector sr. Hermínio de Sousa, chefe dos serviços dos Correios, Telégrafos e Telefones no distrito de Lisboa, a Comissão de Turismo, Junta de Freguesia, povo, etc. e mais os sr.s administrador do vizinho concelho de Torres Vedras, tenente França Borges e o distinto aguarelista Alberto de Sousa, sendo também inaugurada uma cabine pública nos estabelecimento do sr. António Germano.
Findas as inaugurações que foram abrilhantadas pela Sociedade Filarmónica Ericeirense, foi servido no estabelecimento do proprietário de automóveis sr. António Gaspar um "Porto de Honra" oferecido pela Comissão de Iniciativa e Turismo trocando-se muitos brindes por tão importante melhoramento.
"A Ericeira na Gazeta de Torres"

20 de Janeiro de 1929

Inspector dos Serviços Telegráficos na Vila

Encontra-se na Ericeira o sr. Mário Fernandes de Oliveira, dig.mo Inspector dos Serviços Telegráficos e Telefónicos da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, a fim de ultimar a instalação da rede telefónica do Estado nesta Vila, na Ericeira, e ainda em algumas povoações mais importantes deste concelho, bem como dos particulares que o desejem.
"A Ericeira na Gazeta de Torres"

28 de Outubro de 1928

Falecimento do notário da Vila

Após doloroso sofrimento, faleceu na Ericeira, onde se encontrava em tratamento, o antigo notário desta Vila, sr. Guilherme Augusto Almeida Pinto.
"A Ericeira na Gazeta de Torres"

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

1508

31 de Janeiro de 1508

Em sessão deste dia apresentou-se à Câmara um Álvaro Guimarães, portador de um regimento assinado por Nuno da Silveira, no qual se determinava ao dito Guimarães que ordenasse aos Juizes das Vilas de Colares, Cheleiros e Ericeira, que lhe fornecessem uma relação de todos os moradores das suas Vilas a fim de serem colectados em 35 réis cada um, para as despesas das obras dos muros de Cascais. O Procurador do Concelho opôs-se a tal diligência, alegando que a Vila da Ericeira já havia pago aquela imposição, no ano de 1505; e, em nome de El Rei, requeria ao Juiz que não cumprisse tal mandado.
O Juiz perguntou ao Guimarães se ele tinha outro mandado de El Rei ou de Nuno da Silveira, e, se o tivesse, que o mostrasse, que ele, Juiz, o faria cumprir. O Guimarães respondeu que não tinha outro mandado, e retirou-se logo.
O Juiz mandou, pelo Porteiro e Alcaide, intimar o Guimarães, em nome de El Rei, que lhe apresentasse o traslado do seu regimento, para ver, por ele, se a Vila tinha de pagar mais do que já havia pago. O Guimarães respondeu que, lho mandaria, feito pelo seu escrivão.
Nada mais consta sobre o assunto.
"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

(nota do A.: - Dantes, tal como hoje.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Velho Espírito

Ainda que não relacionado directamente com o Cantinho e a sua história, não deixa de ser uma bonita estória que quero aqui registar e que de certa forma ilustra um sentimento que é comum à maneira de ser e de estar do Jagoz. Sentimento esse que muitos dão como certo ter já desaparecido da actual civilização: o amor pelo próximo. Seja ele humano ou animal.
Aconteceu num qualquer lugar do planeta e prova que o Velho Espírito altruísta ainda existe.











sexta-feira, 27 de novembro de 2009

De volta

Após um período de férias (bem merecidas), eis-me de volta ao Cantinho do Jagoz.
Férias que aproveitei, mais uma vez, para percorrer as velhas terras raianas de Portugal.
Lugares mágicos.
O Guadiana..., Castro Marim templário, Guerreiros do Rio, Penha da Águia, Alcoutim, Pomarão, Mértola, Pulo do Lobo (...!), Moura, Mourão (um abraço compadre Moreno!), a sempre linda Monsaraz, Redondo do mestre oleiro João de Mértola (um abraço!), Alandroal, Terena, o santuário de Endovélico em S. Miguel da Mota, Juromenha, Vila Viçosa, Aviz, Estremoz, Campo Maior, Alter do chão, Seda, Marvão, Niza, Vila Velha de Rodão, Castelo Branco, [...] Trancoso terra do poeta Bandarra, a aldeia medieval de Moreira de Rei, Meda, Longroiva um dos primeiros castelos templários, ...entre outros lugares.
Depois, terras do Portograal, Braga, Póvoa de Lanhoso, Fonte Arcada, Guimarães, Penafiel, e já no litoral,  Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Moreiró onde fui acolhido com a amizade de sempre, aproveitando para visitar uma vez mais, o velho Castro de S. Paio.
E, após esta voltinha, finalmente de regresso à Ericeira templária com o seu "paço de ilhas", uma das comendas secretas que a história ignorou.
Este "paço de ilhas" e o mistério que ele encerra faz-me lembrar outras Ericeiras no lado de lá do Atlântico. Falo de Porto Belo, no Brasil , terra de origem Jagoza. Ora leiam:

"Da imigração portuguesa também foi Thomaz Antônio protetor, fundando em Santa Catarina uma colônia de pescadores da Ericeira e outras colônias em diversos pontos [...] Em 1818, o povoado da enseada das Garoupas foi elevado à condição de Colônia com o nome de Nova Ericeira, pois 101 pessoas entre homens e mulheres foram trazidas de uma colônia de pescadores de Ericeira - Portugal, para darem iní­cio à atividade pesqueira na região. Pouco a pouco a povoação foi progredindo de forma que foi elevada a Freguesia em 1824. A grande concentração de moradores na região das Garoupas, a existência de duas escolas, um cirurgião, um posto militar e de igreja fez do local um importante centro entre São Francisco e Desterro, principalmente por possuir um dos melhores portos da região, fator de grande importância pois grande parte do deslocamento era feita pelo mar. O nome Nova Ericeira não chegou a se consolidar facilmente, continuando o local a chamar-se Enseada das Garoupas até 13 de outubro de 1832, quando passou a denominar-se Vila de Porto Belo, nome que surgiu devido à beleza e a tranqüilidade dessas águas. Em 13 de dezembro do mesmo ano foi criado o municí­pio de Porto Belo, desmembrado de São Francisco."


Com que facilidade as nossas carrascas atravessavam o oceano!...
Para os nossos irmãos Jagozes do outro lado da Atlântida, um abraço do tamanho do Mundo!
Saravá!!!

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Foguetório...!!

(Baseado em factos reais. Os nomes próprios são fictícios)


Eram famosas as festas de Santo António e da Nossa Senhora da Boa Viagem, naqueles tempos.
Mestre Albino e ti Rosa moravam num primeiro andar mesmo ao pé da capelinha no largo da Ribas e deleitavam-se com a vista que tinham, para a festa, da sua pequena varanda.
Daquela vez estava programado para a noite, um fogo-de-artifício de arromba!
O mestre Albino ao cair da tarde disse cheio de cerimónia para a ti Rosa:
- Hoje decidi que vamos comer fora.
A ti Rosa leva as mãos juntas ao peito e exclamou com a voz trémula:
- Ai home! Vais-me levar ao ristorante !?
- Não mulher! Vamos levar a mesinha pequena e dois bancos lá para fora para a varanda e hoje jantamos lá. Parece que vai haver fogo-de-vista.
E assim fizeram. Inchados de orgulho pelo lugar cimeiro e vista soberba sobre os demais, jantaram, e entretidos com o ambiente de festa esperaram pelo respectivo lançamento do fogo-de-artifício.
Naquele tempo, o fogo era lançado de rajada, não de forma automática como hoje, nem com as mesmas normas de segurança. Alguns festeiros juntavam os foguetes aos molhos, encostavam-nos ao muro da Ribas e quando chegava a hora, debruçados sobre a falésia, lançavam-nos numa rápida sucessão acendendo o seguinte com a chama do que já ia a arrancar. Isto executado por um pequeno grupo de homens e de forma contínua, proporcionava um soberbo espectáculo pirotécnico.
E lá partiam os foguetes na direcção do mar para, bem alto, rebentarem num festival de cor e estrondos.
Trrá…TRrá… TRRá… PUMMM!!!
Na sua azáfama de lançador em série, o ti Xico nem reparou que o foguete-que-se-segue trazia a cana com uma forma esquisita. E quando reparou, já era tarde.
Sai o projéctil aos ziguezagues feito uma zarabuca, primeiro na direcção da praia, depois voltando para trás e rasando a capela e o rancho folclórico que tinha acabado de actuar, passa como um foguete (que era) sobre as cabeças do mestre Albino e da ti Rosa e vai enfiar-se na casa de banho ao fundo do corredor.
Sob o olhar estarrecido do casal, e após um breve PUFssss, a casa de banho ilumina-se num arco íris de cores acompanhado de uns estranhos assobios.
Depois o primeiro Trrá…!
A cortina da banheira, infla como um balão, tipo airbag de automóvel.
O segundo TRrá…, um pouco mais forte, faz levantar no ar todo o stock de produtos de higiene, como um jogador de futebol que levanta a bola com o pé e se prepara para a chutar com força.
O terceiro TRRá…, ainda mais forte, projecta pelo corredor fora a escova de dentes da ti Rosa junto com a metade de um sabonete!
Grande aflição naquela casa!
E brutal como um trovão, chega o PUMMM!!!
Com os olhos esbugalhados, o mestre Albino e a ti Rosa vêm passar por eles, num flash, todos os quadros do corredor, um pedaço da sanita e o rolo de papel higiénico pulverizado numa nuvem branca, como se tivesse sido disparado por um canhão.
Em baixo, junto ao passeio, um Jagozito grita:
Avó!... Avó!... Olha, está a nevar!...
Festa é festa! Jagozices...
João Bonifácio

Foguetório...!



Durante as festas de S. Pedro, juntava-se o arraial no adro da Igreja, povoado de filas de bancas saloias onde se podia comprar de tudo o que eram gulosices e comezainas, assistia-se a faustas procissões e ao contínuo foguetório.
Como se costuma dizer, fazem a festa, deitam os foguetes e vão apanhar as canas, mas para variar, éramos nós, os miúdos, quem as íamos apanhar.
Num canto do adro montávamos oficina de espadas, qual artesãos de Toledo, ajustando previamente o comprimento padrão de cada arma para que ninguém ficasse em desvantagem. Dávamos um corte na extremidade mais grossa da cana e introduzíamos, na perpendicular, uma pequena haste feita do mesmo material. Com um pedaço de corda de embrulho fazíamos o punho, atando o corte feito e fixando assim a guarda da espada. Escusado será dizer que logo na primeira refrega a maioria destas ficavam reduzidas a pequenas adagas e algumas, no fim, a simples canivetes.
Ora, pequenada, é o que se via com fartura, a correr e a brincar pelo recinto da festa como bandos de andorinhas a chilrear. Alguns, vestidos com fatinho de gala e com os bolsos cheios de doces, corriam, gritavam, divertiam-se. Para o ilustre visitante que não conhecesse bem a Ericeira e presenciasse toda esta vivacidade, era o que iria pensar: a miudagem nesta terra diverte-se à brava!.
Mas se reparasse bem no olhar dos que corriam à frente, notaria, mais aflição que diversão. Atrás deles vinham os predadores!
É que na época, para além desta “raça” de Jagozes habituados a comer bifinho do lombo, empinocados e com os bolsos cheios de caramelos, havia uma outra “raça” de Jagozes, maltrapilhos, que levavam a semana a comer peixe frito com arroz, sonhando com o Domingo para poder comer uma arrozada de ervilhas com miúdos de frango, jogavam à bola descalços até lhes saltar as unhas dos pés e lanchavam pão com manteiga com um pouco de açúcar para lhe poder chamar “sandes”.
Doces, esses, só os comíamos nas festas, como a de S. Pedro. E para isso, usávamos o que restava dos caniços para, às escondidas, arpoar as broas, nas bancas, enquanto todos olhavam embasbacados para a barragem de foguetório, lançada durante a procissão.
Dividíamos o saque irmãmente e depois, para a sobremesa, caramelos! E desatávamos a correr atrás dos outros miúdos.
João Bonifácio

1507

1 de Setembro de 1507

Por ordem do Ouvidor foi feito inventário de toda a prata e paramentos da Igreja de São Pedro, e tudo entregue à guarda do Juiz Ordinário, declarando o mesmo Ouvidor que assim se devia fazer por ser esse um costume muito antigo desta Villa.
O Ouvidor era um Juiz que os Donatários nomeavam e residia na Villa, onde os representava em tudo que se referia ao exercício dos direitos senhoriais, e conhecia, por apelação, de todas as causas cíveis.
_____________
"Este é o inventário das cousas da Igreja, que João Meão entregou a Alvaro Anes, Juíz, perante mim Tabalião e Gonçalo Pires, clerigo, ao primeiro de Setembro de 1507.
PRATA
Dois calices de prata com suas patenas a saber: um pesou um marco e cinco onças, branco; e outro pesou um marco e três onças, dourado na maçã e nos bordos.
Um turibulo de prata branco com suas cadeias e... com duas argolinhas, tudo de prata, e pesou dois marcos e duas onças.
Uma custódia dourada, com duas cadeiasinhas e com dois fechos de prata e com uma cruzeta com o crucifixo e com 4 pedras de vidro e com a caixa em que anda a hostia quando dizem missa; toda dourada e pesa dois marcos.
Duas coroas de prata a saber: uma branca, que pesou os marcos e tem duas pedras de rubis, e cons uns crescentes dourados; e outra é dourada com um esmalte grande e...
Uma cruz grande de prata dourada, com um crucifixo todo dourado, com uma maçã grande no pé, e dali para baixo, branca.
ROUPAS E VESTIMENTAS
Uma vestimenta de veludo, preta, com a sua alva comprida.
Uma vestimenta que se deu por Dona Izabel; pano brunido de linho, com cruz vermelha, comprida.
Vinte e cinco manteis, novos e velhos, linho estopa. - 25.
Outros manteis novos, tirados de lã vermelha.
Duas mezas de toalhas francezas.
Dez lençoes novos e velhos.
Dois panos de veludo vermelho com que se cobre a gaiola do Corpo de Deus, e uma estóla, todo com enxarafas.
Quatro vestimentas brancas, usadas.
Uma vestimenta usada, de sirgo, pintada.
Uma vestimenta que se deu por o Anjo, listada de rôxo e amarela, comprida.
Uma dalmatica amarela e com enxarafas, a saber: de feição de camisa.
Um pano azul, do cruzeiro.
Dois frontaes.
Dois livros de missas.
Um psalterio de escriptura, de rezar.
Uma sentença dos bens de Gonçalo Anes, e instrumento de petição.
Arca com fechadura, em que toda esta fazenda está, e 50 reaes da rendição das corôas.
Eu, Alvaro Anes, me dou por entregue de todas estas coisas, e me obrigo a dar conta delas.

(Arquivo Municipal, Livro de Actas de 1507).

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1507

27 de Agosto de 1507

Segundo determinação régia, as obras do cais do porto deveriam ser feitas em cantaria; e a Câmara, considerando que, assim, ficariam muito dispendiosas, e que mais económicas ficavam, empregando-se nelas alvenaria, deliberou, em sessão desta data, enviar a Sintra, onde El Rei não estava, o Procurador do Concelho, a representar ao Rei nesse sentido.
"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pescarias - 1


De Inverno, após dar uma olhada pelo cultivo e tratar das galinhas, o Jagoz vai dedicar-se ao seu desporto favorito: a pesca à cana, nas furnas, praias e falésias da Ericeira.
Lembro-me da primeira vez, ainda miúdo, em que fui à pesca com o meu avô, tendo-me emprestado, para o efeito, uma das suas canas artesanais.
Enquanto descíamos a falésia do Miradouro, o meu avô ia desfiando todo um rosário de concelhos, técnicas, procedimentos e estratégias para um bom dia de pescaria; o empatar do anzol, o colocar o isco, o lançar a chumbada, o travar do carrete, o sentir o peixe, o esticão cuidado para o prender, a folga para o cansar e trazê-lo a terra, etc., etc., etc. Durante toda a manhã e parte da tarde prestei atenção a todos os pormenores, como um bom aprendiz. E diga-se com justiça que não fui mau aluno. Conseguia fazer tudo bem. Tudo menos apanhar peixe. E não era por falta de jeito; o peixe é que não estava a dar! O dia estava quase passado e o balde continuava vazio.
Dando a pescaria como quase terminada, o meu avô ainda me perguntou:
- Vai a última?
-Vai! Respondi-lhe eu com o mesmo entusiasmo com que tinha começado naquela manhã.
Isquei o anzol, preparei-me para o lançamento, recuei ... mas aqui esqueci-me de uma das regras fundamentais do pescador: olhar sempre para trás, pelo menos uma vez, para ver onde se vão pôr os pés. E isso eu não verifiquei. Recuei e caí que nem uma pedra, dentro duma enorme poça de água! Na confusão, não sabendo bem o que estava a fazer, acabei por fazer o lançamento, mas ... na direcção contrária, indo o anzol, cheio de isco, fixar-se num monte de chorões que cresciam sossegadamente na encosta das arribas.
Molhado até às orelhas, com cara de quem ficou a ver o mundo de pernas para o ar, ainda ouvi o meu avô dizer entre gargalhadas:
- Pelo menos apanhaste um peixe-chorão! Eu ainda não apanhei nada!
Vendo que era inútil continuar, e porque eu estava encharcado, o meu avô decidiu recolher a pesca. Mas por mais que puxasse, a chumbada não se mexia. O anzol tinha ficado preso.
Eu não podia deixar de aproveitar a oportunidade e disse-lhe:
- Vamos os dois bem servidos! Um apanha peixe-chorão. O outro apanha peixe-pedra!
Ao que o meu velhote respondeu:
A esperança é a última a morrer!... acabamos sempre por apanhar alguma coisa.
De repente, como que por artes mágicas, o anzol soltou-se, devolvendo a possibilidade de recolher a arte intacta.
Enrolava o meu avô a linha com rapidez a fim de que não ficasse presa novamente, podendo ver-se de vez em quando a chumbada ressaltar fora de água, ainda com o anzol iscado, no meio da espuma das ondas.
Já quase na rebentação, onde o mar galgava furioso as rochas, vejo aparecer, bem presa no anzol, uma enorme abrótea. Tinha sido apanhada quase em seco! Afinal havia peixe para o jantar!
"... a esperança é a última a morrer ..." (!)
peixe-chorão e o peixe-pedra, dispensámos. O peixe-último-momento veio connosco e deu uma belíssima refeição.
Jagozices !...
João Bonifácio

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

99 anos depois...




Tripulação e barco «Bonfim», uma das embarcações que transportaram a Familia Real, faz hoje precisamente 99 anos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

14 de Outubro de 1928

Comissão para a linha férrea

"A fim de tratar de assuntos que se ligam com a construção da linha férrea de Loures à Ericeira, estiveram hoje nesta Vila os membros da Comissão Administrativa do concelho de Loures a conferenciar com a Comissão Administrativa daqui. Os melhores auspícios para tão importante empreendimento, que levantará à altura a que têm direito os concelhos que beneficiarão deste tão importante melhoramento."

A ideia surgiu no início dos anos 20 e uniu os esforços das Câmaras de Loures e Mafra que, para este efeito, se federaram. O projecto pretendia ligar Lisboa à Ericeira, com "automotoras e carruagens em aço e ferro, o que há de melhor e mais moderno. Tal qual como o do Estoril" como descrevia um jornal da época, em 1928. Eram cerca de 90km, a serem percorridos em 1 hora e 15 minutos. De Lisboa a Loures a linha seria dupla, com a mesma bitola dos carros eléctricos de Lisboa. As estações seriam: Campo Pequeno, Carriche, Loures, Lousa, Cabeço de Montachique, Malveira, Mafra e Ericeira, onde seria construída uma estação-hotel mesmo em frente à praia. O custo total da obra era elevado: sessenta mil contos... mas os benefícios eram evidentes; o mesmo artigo enumera-os: "É escusado encarecer a importância desta linha férrea que servindo um dos mais lindos subúrbios de Lisboa, lhe dará um extraordinário desenvolvimento, permitindo não só o alargamento da cidade, como ainda o seu abastecimento rápido. Teremos, então, peixe fresco vindo da Ericeira e as hortaliças e frutas que vêm agora de Loures, custando-nos os olhos da cara, pelo excesso do frete das carroças, descerão a um razoável, compatível com a bolsa esfaimada do lisboeta. No Verão, a Ericeira que este ano teve duas mil pessoas a banhos, tornar-se-á uma das praias mais afamadas do país, com os lucros inerentes à situação. Bem o merece porque bem linda é".

"A Ericeira na Gazeta de Torres" (1927-1933)

1507

21 de Agosto de 1507

Nesta data apresentou-se à Câmara da Ericeira, Gonçalo Rebelo, Contador de El Rei nas Comarcas de Alenquer e Sintra, e mostrou um mandato de sua Alteza, ordenando que a Câmara nomeasse dois avaliadores que, com o dito Contador, procedessem à avaliação dos bens dos moradores da Vila, a fim de lhes ser lançada uma taxa destinada às obras do corregimento do cais e do porto.

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1507

9 de Julho de 1507

Tendo El Rei ordenado que as Câmaras fizessem as suas sessões duas vezes por semana, 4.ª feiras e sábados, deliberou a Câmara, em sessão deste dia, enviar o procurador do Concelho à Casa do Cível, representar contra tal determinação.
(Segundo o antigo costume, a Câmara realizava as suas sessões ordinárias uma vez por mês, e as extraordinárias quando era necessário. Parece que, depois disto, as sessões passaram a ser semanais).

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rua Prudêncio Franco da Trindade


Todos os Jagozes e amigos da Ericeira, conhecem a Rua Prudêncio Franco da Trindade. Será talvez a principal artéria de entrada na Vila e desemboca directamente na Praça da República, popularmente conhecida por Largo do Jogo da Bola. Tem como edificio simbólico o Hospital, lá bem no alto, mas nela está também a Escola Primária e a Estação dos CTT.
Para os mais antigos é ainda hoje designada por «Estrada de Mafra», e antes de ter a designação actual, chamava-se Calçada Real, tendo passado para Rua Prudêncio Franco da Trindade, no período pós implantação da Republica, tal como aconteceu com muitas outras artérias da Ericeira.

Mas quem foi Prudêncio Franco da Trindade, que deu nome a esta Rua tão central na Vila?
Outras, como a Praça Rainha Dª Amélia, passou a chamar-se Praça da República (Jogo da Bola), o Largo de Santa Marta passou a ser Praça Dr. Miguel Bombarda, a Rua Campos Henriques, que passou a Rua 5 de Outubro, ou seja, passaram a ter todas elas designações muito abrangentes e emblemáticas no âmbito da República! No entanto, a Rua Prudêncio Franco da Trindade ficou com o nome de um Repúblicano local, um natural da Ericeira:

«Nasceu na Ericeira a 25 de Julho de 1866, filho de António Franco Gomes e de Mariana da Conceição Oliveira. Professor primário, foi um Repúblicano convicto, e presidiu à Comissão Municipal de Mafra do Partido Repúblicano Português em 1909. Quando Sidónio Pais visitou a vila e pretendeu deslocar-se à escola onde ele leccionava, opôs-se a tal propósito, o que lhe causou naturais dissabores. Foi preso 18 de Dezembro de 1918.
Iniciado (na Maçonaria) a 10 de janeiro de 1911 no Triângulo nº 135 da Ericeira com o nome simbólico de "Confúcio".
Morreu na Ericeira a 8 de Novembro de 1922.
Tem uma rua com o seu nome na Ericeira.»

In «A maçonaria no Concelho de Mafra» (1910-1935) de António Ventura. EDITORA: MAR DE LETRAS

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Limo na costa


Quando era mais novo, para além de trabalhar no verão, na praia do Sul, ajudava o meu avô Cavalas a cultivar um pedaço de terra que ele trazia alugada em Fonte Boa da Brincosa, onde residia há algum tempo.
Em determinadas épocas do ano, após as tempestades no mar, dava à costa grande quantidade de algas a que chamamos limo e que se ia acumulando no areal. Este limo era aproveitado para fertilizar a terra proporcionando excelentes colheitas.
O meu avô e eu vinhamos buscá-lo às lages (pois era onde se encontrava mais limpo) e carregávamo-lo às costas, falésia acima dentro de cestos de vime. Depois deitávamo-lo dentro de cobachos (buracos em forma de quadrado abertos na terra e adjacentes uns aos outros onde se plantavam batateiras) onde iria apodrecer ao sol. Toda a gente do campo colhia este limo da costa limpando-a em pouco tempo.
Mas o que eu vos queria contar, tem a ver com algo que, tendo uma história paralela a esta, aparecia na nossa costa com frequência, muitas vezes em plena época balnear; o alcatrão.
Os petroleiros que descarregavam a nafta no terminal de Sines, quando regressavam vazios para norte costumavam efectuar a lavagem dos tanques em alto mar, provocando pequenas marés de poluição que chegavam às praias, muitas das vezes durante a noite. De manhã apareciam milhares de bolinhas de alcatrão depositadas na areia que tinhamos de limpar antes da chegada dos primeiros banhistas. Tarefa chata que repetíamos todos os dias, de segunda a sábado. Ao domingo, acontecia um fenómeno protagonizado por um outro tipo de banhista; o turista de domingo.
Geralmente proveniente do campo, muitas das vezes vendo o mar pela primeira vez, invadia o areal, esticava toalhas e mantas, rebolava, passeava, esfregava-se literalmente sobre o dito alcatrão. O resultado era a praia ficar limpa sem qualquer esforço da nossa parte.
Era mau para a reputação, mas bom para a poluição.
João Bonifácio

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

1507

25 de Maio de 1507


A Câmara com o donatário Dom João Fernandes de Sousa, e com os moradores da Vila, todos juntos à porta da Igreja de São Pedro, fez acordo com o Clérigo João Vaz, para que ele exerça na dita Igreja o cargo do Capelão, e ali celebre Missas rezadas e cantadas, visto os beneficiados da Igreja de Mafra, que têm essa obrigação, faltarem de contínuo a ela. O referido Clérigo, além dos trintários, receberia por ano, 80 alqueires de pão, uma pipa de vinho e quinhentos réis em dinheiro, tudo pago pelos moradores.
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Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e sete annos, aos vinte e cinco dias do mez de Maio, à porta da Egreja de São Pedro da villa da Ericeira, estando ahi o senhor João Fernandes de Sousa senhor da dita villa e João Alvares, Juizo Ordinario em a dita villa, e João Meão vereador, e João de São Pedro, e Pedro Annes, e Gonçalves Fernandes, e João Pires, e Gonçalo Pires, e João Ruivo, e Pedro Dias, e Gonçalo Annes da Praça, e Luiz Gonçalves, e Alvares Pires, e outros moradores e Povo da dita villa, e estando todos falando em como é necessário para esta Villa tomarem um Clérigo que cante e sirva na Egreja desta Villa,para os moradores della, porquanto os clerigos de Mafra que são obrigados a virem dizer as Missas, muitos domingos e festas erravam, (faltavam) e ficava a gente desta Villa sem Missa; e conviram que se tome um clerigo que cante todos os domingos do anno e festas de Jesus Cristo e dos Apostolos, e dos santos e Santa Maria. E logo pelo dito senhor João Fernandes de Sousa e pelos ditos Oficiaes e homens bons, foi feito concerto com João Vaz, clerigo de Missa, que de presente estava, que elle, de dia de São João Baptista que ora vem desta era, a um anno, cante na Egreja desta Villa, e diga Missa todos os domingos e de Santa Maria e festas de Jesus Cristo, e Missas pelo dito senhor e por todos os moradores desta Villa; e os Oficiaes lhe farão pagamento de oitenta alqueires de pão e uma pipa de vinho e quinhentos reis em dinheiro; e o dito João Vaz lhe aprouve de servir este anno nesta Egreja, todos os sobreditos como dito é, pelos oitenta alqueires de pão e vinho e dinheiro; e os ditos Oficiaes se obrigaram a pagar a dita soldada ao dito Clerigo, á custa do Concelho.
E que serão as ditas partes por verdade, assignaram aqui. Eu, Alvaro Annes tabelião, isto escrevi. E disseram que se cazo for que o dito João Vaz, Capelão, disser Missas alem destas que é obrigado, que dando-lhe dinheiro qualquer pessoa desta Villa, que a ellas diga as Missas; e se derem algum trintario na dita Egreja ao dito Capelão, que o diga e entregue as Missas em outros de que o dito senhor e povo lhe aprouver. Alvaro Annes, tabelião, isto escrevi. E ficaram os Oficiaes de entregarem esta soldada toda junta ao Capelão, e que lha entreguem os Oficiaes que vierem; e pediram os Oficiaes permissão ao senhor João Fernandes de Sousa e que assim lhe, este concerto; e logo pelo dito senhor João Fernandes de Sousa foi dito que, visto como esta coisa é tão bem ordenada e tanto a serviço de Deus e bem do Povo, lhe confirma este concerto, e mandou que os Oficiaes que vierem, de São João em deante, tirem o dito pão e dinheiro e vinho, e entreguem a soldada ao dito Capelão; e mandou que os ditos Oficiaes da dita Villa lançassem finta por todas as pessoas que para isto hão de pagar, assim como é razão que cada um pague, sob pena de elles o pagarem de suas cazas, se assim o não cumprirem.
(Arquivo Ericeirense, Maço IV - Igreja Paroquial)

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1505

12 de Agosto de 1505

Pero Annes, homem das obras que El Rei tem em Cascais, apresenta à Câmara um regimento pelo qual o Rei ordena que os moradores das Vilas de Colares, Cheleiros, Ericeira e reguengo da Carvoeira, concorram para as ditas obras, que, segundo parece, constavam de uma torre, muralhas e outras construções de fortificação.
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Da transcripção do regimento apresentado à Câmara por Pero Annes, consta que o Rei fôra informado que, de tempos antigos, sempre estes Povos concorreram para as obras dos muros de Cascais.
Trata-se possivelmente do antigo imposto da annuduva, embora no documento se não faça referência àquela denominação.
(Arquivo Ericeirense, Maço I - Documentos Antigos)

 "Anais da Vila da Ericeira"Jaime d'Oliveira Lobo e Silva1932

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Por caminhos da Ericeira (4)

Não há nenhum observador da etnografia popular, tam instrutiva e cheia de encanto, que, nas povoações rurais, deixe de erguer os seus olhos, amorosos de arte tradicional, para esse complemento do lar doméstico, para a chaminé. São bem portuguesas essas dealbadas colunas, através das quais respira a chama que arde na paz interior da habitação. (Portugalia, II, 79).
Nesta nesga da região saloia, não aparecem aqueles modelos tam característicos doutros arredores de Lisboa, as chaminés de secção rectangular, rematadas em meio-círculo entreaberto, que talvez possam chamar-se de fenda em arco, e que tanto se encontra em Sintra, em Colares; e até, dentro de portas da capital, há raros mas curiosos exemplares (Junqueira, Rato). Desenhei umas oito.
Perpassando os seus tipos, vê-se que elas são principalmente: 1.º, tronco-cónicas, sobrepujadas por um lanternim de tejolo, rematado em cúpula mais ou menos ornada. Superior e inferiormente às estreitas frestas do lanternim, abraçam a chaminé dois estrágalos que lhe dão graça e sentimento. Por vezes as frestas fumívoras têm os tejolos em seco, outras vezes são cuidadosamente acabadas com argamassa e cal. Num exemplar que figuro, a chaminé é toda fechada até ao capêlo e, para o fumo, reservou-se quasi na base uma única e pequena fresta (1).
Além deste tipo predominante há as chaminés: 2.º, prismáticas e, 3.º, tronco-piramidais. Do 2.º há-as de secção rectangular ou quadrada. Daquele sub-tipo desenhei um elegante modelo, em que, por cada lado da chaminé, as frestas, em número de quatro contíguas, ocupam apenas o meio, deixando dos lados, isto é, nos cunhais um espaço liso. Esta chaminé termina por uma pirâmide de base quadrada, em cujas faces se abriram 4 lumieiras esguias, que reforçam a tiragem.
As chaminés do 3.º tipo são rectangulares e o remate, tanto nestas como no 1.º sub-tipo das prismáticas, é constituído por um corpo tectiforme, aberto lateralmente por frestas de tiragem ou apenas, quando côncavo, ao longo da cumieira ou aresta superior. Esta variedade é comum. O que torna curioso este coroamento, são umas pequenas peças ornamentais feitas de telha aparada à turquês e colocadas nas extremidades; desenhei-as em duas chaminés, com a forma de lancetas e de foice (2). Vejam-se as figs. 6 a 12.

 
  
 

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(1) Este curioso tipo não é um acaso, segundo penso; dum comboio em andamento, eu tomei nota de uma chaminé deste tipo, para o sul de Coimbra. O fuste era tronco-cónico, o capelo semi-ovóide, coroado por uma bola. Dispostos em losango e espaçados, mas todos de um lado, abriam-se na espessura da coluna quatro orifícios triangulares, que constituíam a totalidade da tiragem desta chaminé (fig. 13).
(2) Não tem designativo especial estes ornatos. Aos que terminam o beiral dos telhados e se erguem em curva, chamam simplesmente pontas de telhado; são de barro ou madeira.
O Archeologo Português - 1914

 
Um exemplo de chaminés típicas da Ericeira

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (6)

Rua Formosa, rua do Norte

Esta rua teve como topónimo Formosa pelo menos até aos finais do séc. XIX, apesar de ser vulgarmente conhecida por rua do Norte. O lado poente desta rua é urbanizado desde o séc. XV. O lado nascente, apesar de durante os sécs. XVI e XVII ter alguma urbanização, foi no final do século XVIII que se urbanizou bastante. Durante mais de metade do séc. XX existiram, nesta rua, grandes quintais, no lado nascente.
O topónimo Norte, como facilmente se compreende, é devido ao alastramento da urbanização no sentido norte, em relação ao núcleo central da Vila. Algumas das travessas que cruzam a actual rua do Norte, não tinham a configuração como nós hoje as conhecemos. A actual travessa dos Arrais prolongava-se mais para nascente ligando-se à travessa da Assunção. A actual travessa do Estrela, lado nascente, não existia rasgada até à rua. Nos princípios do séc. XX abriu-se esta travessa.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"

(Fotos de João B.)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Ericeira, 5 de Outubro de 1910



Num livro que li recentemente, encontrei uma descrição da fuga da Familia Real, no dia 5 de Outubro de 1910, e que mostra uma visão do drama, duma perspectiva menos institucional e mais emocional, que nos deixa a ideia clara, de que os Reis, são antes de tudo mais, pessoas, e não meros personagens da História sem alma nem «cor», como nos são apresentados nos livros da escola.
Deixo aos leitores do «Cantinho do Jagoz» essa passagem:


«... Ao chegarem à Ericeira, têm uma multidão à espera. Estão lá os pescadores de calça arregaçada e perna nua, os velhos de barrete negro de campino, as varinas de cabelo apanhado no alto da cabeça, as crianças ranhosas e descalças, cristadas do Sol, os cães escanzelados e sórdidos. Até quatro familias ciganas, com os patriarcas vestidos de negro e as mulheres de peito ao léu e as crias penduradas na cintura, desceram das arribas para se postar na estrada à espera deles. Tudo os veio ver; todos querem ter uma ideia de como se apresenta um rei, duas rainhas e um principe herdeiro. Que dilema! Que destino! Que drama tão cru e tão fantástico!
Maria Pia volta a gritar de susto. Parece-lhe ver na estrada um imenso e enfurecido cortejo revolucionário, disposto a barrar-lhes o caminho. Manuel tem os olhos fechados; é quase um moribundo. Só Maria Amélia, diante daquela multidão, consegue abir a boca e falar. Não sabe porém medir o efeito das suas palavras. Naquele momento espera tudo, ser obedecida ou trucidada pelo vagalhão ameaçador que tem pela frente.
- «Arreda! Arreda!»
A multidão afasta-se obedientemente e eles chegam salvos à praia, onde Afonso Henriques os espera ao largo, longe da barafunda, no iate real «Amélia», propriedade do Estado Português. Maria Pia na hora do embarque, rodeada de novo pela multidão da vila, leva as mãos ao estômago e grita, desamparada e frouxa.
- «J'ai faim! J'ai faim!»
Voltavam-lhe as angustias gástricas no momento dramático do fim. Como lhe chegarão as saudades pungentes das suas flores. É o instante em que ela, desesperada por ver os seus canteirinhos da Ajuda, já no exilio, pega num regador de latão e banha de lágrimas as flores desenhadas nos tapetes da cunhada Italiana.
Manuel chora quase incapaz de dar um passo e Amélia, a mãe, tenta desesperadamente aguentar os nervos, mas não consegue. Grita, chora e barafusta também ela. Barafusta contra o destino, esse destino que tudo lhe sonegou. Roubou-lhe a querida França, roubou-lhe o Brasil, roubou-lhe o marido e o filho e rouba-lhe agora Portugal e a sua coroa de Rainha. Revolta-se pois contra a sua fortuna, que nada lhe deu desde criança, a não ser tragédia e dor. Que figura tão crua e tão azeda, desta Maria Amélia! Não provoca compaixão como a sogra doida, mas na sua escuridão de fantasma adejante inspira um respeito gelado e um medo sagrado.
Afonso Henriques, aflito por se ver longe, nervoso com a ondulação forte que bate contra o casco do barco como rajada de metralha, lembrando-se da forma bárbara com que o irmão partira deste mundo, acena da amurada do barco e chama-os em desespero. Que cena atroz! Só o regicidio na história desta familia se lhe compara em dor e tragédia. Partem por fim a chorar os quatro, os ultimos Braganças, os pobres descendentes dos deuses que outrora dispuseram de Portugal como Zeus do Olimpo. Só retornarão depois de mortos, gelados, inertes, sem descendência, para irem repousar no panteão da familia, em S. Vicente.
Fechou-se assim para sempre a história de uma familia, que como a história da vida foi feita de dor, de lágrimas, de miséria, de absurdo e de uma gota de grandeza e de amor, que porventura tudo justifica e tudo para sempre redime.»

In: «A herança de D. Carlos» de António Cândido Franco, Editora «ÉSQUILO»

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (5)

Rua que se Encaminha para o Forte, Casal de D. Catarina

Esta rua corresponde ao que é hoje a rua de Santo António desde a capela para norte, passando pela actual travessa da Misericórdia até ao actual largo Domingos Fernandes. Encontramos alguma documentação datada do final do séc. XVII e princípio do séc. XVIII, referente a este topónimo. Toda esta área foi durante bastante tempo o "centro nevrálgico" da Ericeira. Aqui funcionou a Câmara da Ericeira ou Paços do Concelho nos terrenos ao lado da capela de Santo António (parte norte) que pertenceram à família Val-Rio. Desconhece-se se os Paços do Concelho da Ericeira funcionaram noutro local antes deste. O que se sabe é que em 11 de Junho de 1484, há uma referência aos Paços do Concelho relativa a uma audiência, "condenando" Gomes Leite, morador na Ericeira, a entregar uma pedra pertencente ao altar da Senhora de Santa Marta.
É muito possível que sejam estes os referidos Paços do Concelho, porque naquela época como já referimos, a Ericeira tinha como limites na parte sul a capela de Santo António, a nascente o largo do Oitão e a norte a actual rua do Norte e rua de Baixo.
Segundo Jaime Lobo e Silva, no ano de 1755 a Câmara já funcionava nas novas instalações junto ao Pelourinho (posto da G.N.R.). Apesar de outra referência do Mestre Jaime em que no dia 18 de Maio de 1814 foi dada de arrematação a obra da reconstrução da Casa da Câmara que havia muitos anos se achava arruinada, bem como uma outra, muito mais antiga, que servia de cadeia, localizada na calçada da Ribeira. Desta referência, podemos concluir que apesar da Câmara funcionar nas instalações junto ao Pelourinho, ainda haviam repartições que funcionavam no antigo local, nomeadamente a cadeia. Estas informações deixam-nos concluir que tanto as antigas instalações, como as mais modernas (que já eram antigas nos princípios do séc. XIX), não só estavam em mau estado, como eram insuficientes para o bom funcionamento da administração municipal daquela época.
Mais uma vez ao socorrermo-nos de Jaime Lobo e Silva, ficamos a saber que a 27 de Maio de 1815 foi inventariado o Arquivo Municipal que havia alguns anos se conservava aberto e andara por casas particulares, por ruína da antiga Casa da Câmara e que também tinha sido deliberado consultar um letrado para se saber o que conviria fazer em tal caso.
Através da investigação que temos feito à urbanização antiga da Ericeira, concluímos que pela parte norte das antigas instalações da Câmara situadas nesta rua, havia uma travessa no sentido nascente poente partindo da actual rua de Santo António até à actual travessa da calçada da Praia dos Pescadores (perto da entrada para os escritórios dos Serviços de Lotas e Vendagens), conforme podemos verificar através da planta do ano de 1897. Esta travessa, foi mais tarde ocupada parcialmente (lado nascente), como podemos verificar através da planta, pela moradia da família Vale-Rio em data anterior à sua edificação.
Nos finais do primeiro quartel do séc. XIX (1822), esta travessa era conhecida pela rua do Casal de Dona Catarina. Isto devido ao casal pertencer a Catarina de Jesus Franca, existente na parte norte desta travessa, ficando pela parte sul as instalações da Câmara. Dona Catarina foi casada com António da Costa Morgado, avós de Ana Maria Val-Rio, esposa de Luís Quaresma Val-Rio.
No princípio do séc. XX (1909), a restante parte desta travessa (lado poente), assim como os terrenos circundantes, foram adquiridos por particulares, como podemos verificar através da documentação que conseguimos localizar durante a nossa investigação. Um desses documentos diz o seguinte: "Luís Quaresma Val-Rio e Tancredo da Silva Jorge, possuidores de dois prédios urbanos mistos com frente para o largo do Forte, declaram pretender adquirir por meio de compra em hasta pública com as formalidades legais, uma porção de terreno municipal, exclusivamente para ajardinar, o qual é junto ao referido largo do Forte e confronta a norte com a rua da Misericórdia, pelo sul com a calçada da Praia, pelo nascente com os referidos prédios e pelo poente com a dita calçada da Praia e o dito forte. Foi instaurado o processo para a venda em hasta pública."
Ainda relacionado com esta rua que nos fins do séc. XVIII, princípios do séc. XIX tinha o topónimo que se Encaminha para o Forte, devemos salientar que era nesta rua que se situava o velho palácio dos morgados da Ericeira, o qual foi demolido em 1902. Era a única casa brasonada que existia na Ericeira; depois da sua destruição foi construído o casão da armação da firma Rosa & Comandita, onde actualmente funciona o armazém de madeiras e produtos de construção, pertencente aos descendentes do sr. José dos Santos Caré.
Este morgadio foi instituído como já dissemos, por João de Brito e Sousa Noronha, que o deixou em herança à sua filha ilegítima dona Juliana de Brito e Sousa Noronha, casada com o tenente-coronel de infantaria Álvaro José de Serpa Sotto-Mayor. Dona Juliana nasceu na Ericeira e faleceu no dia 16 de Dezembro de 1784. Deixou a seguinte descendência: Diogo João de Serpa e Brito Noronha, oficial de infantaria e fidalgo da Casa Real, morreu na Índia; Luís António de Serpa e Brito Noronha, casado com Maria Rita de Freitas Manuel de Aboím; Fernando José de Serpa e Brito Noronha, falecido na Ericeira a 14 de Agosto de 1807.
O senhor do morgadio da Ericeira era solteiro e estava interdito por demência, tendo sido seu herdeiro o seu mais próximo parente, o capitão-mor de Sintra, António Rufino Monteiro de Resende Cabral de Unhão e Noronha, que por sua vez deixou em herança à sua filha dona Antónia Desidéria (adiante falaremos desta senhora), casada com o Morgado da Quinta dos Chãos de Santo Isidoro, o tenente-coronel de milícias de Torres Vedras José Francisco de Assis Gorjão Barros de Carvalho, passando assim para os descendentes desta família o Morgadio da Ericeira.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"

(foto de João B.)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (4)

Largo do Oitão (continuação)

Também é possível que a lenda não tenha origem em D. António, Prior do Crato, mas sim no ermitão de S. Julião, Mateus Álvares, que como sabemos ficou célebre por ter sido um dos falsos D. Sebastião, conhecido pelo rei da Ericeira e que ao contrário de D. António, foi preso.
Arrastando atrás de si algum povo da região da Ericeira, chegou mesmo a realizar o seu casamento com a filha de um rico lavrador de Rio de Mouro chamado Pedro Afonso, tendo sido coroada rainha com a coroa de Nossa Senhora. Mais tarde deu-se uma pequena batalha no vale da Senhora do Ó em que os oitocentos homens seguidores de Mateus Álvares foram derrotados numa emboscada, pelos quatrocentos soldados castelhanos bem armados.
A alguns destes homens foi-lhes dado o perdão, outros, foram lançados nos serviços forçados das galés e os restantes, entre eles Mateus Álvares, foram presos e mortos para exemplo de todo o reino, refreando algum patriotismo que o anónimo povo português nunca deixou de ter, lutando sempre contra os castelhanos.
Mateus Álvares foi enforcado em Lisboa no dia 14 de Junho de 1585, depois de lhe terem cortado a mão direita, a que tinha assinado provisões e alvarás em nome de D. Sebastião. A sua cabeça ficou durante um mês pregada na forca e foi esquartejado em quatro bocados, expostos em cada uma das "quatro portas" da cidade de Lisboa. No dia seguinte foram enforcados e esquartejados os restantes homens que sofreram a pena capital. Só na Ericeira foram enforcados vinte destes homens.
Mas também neste episódio encontramos alguma contradição relativamente ao tal rei que fora preso junto ao largo do Oitão.
Mateus Álvares não foi preso na Ericeira, segundo a Carta de Perdão dada por Filipe II que menciona que Pedro Afonso foi preso no lugar do Bombarral e o ermitão Mateus Álvares na vila de Colares. Será que também aqui o povo adulterou os acontecimentos , tendo sido preso na zona da Ericeira, não o falso rei mas sim alguns dos seus seguidores e como tal os castelhanos destruíram as suas casas, salgando em seguida o terreno onde estavam edificadas? Ou teria aí residido o ermitão Mateus Álvares? O certo é que esta lenda tenha ou não origem nestes dois acontecimentos históricos, prevaleceu viva até ao princípio do sé. XVIII.
Estes acontecimentos tiveram lugar nos finais do séc. XVI. Antes destes factos, já a Ericeira se tinha expandido para o norte através da rua do Norte e da rua de Baixo até ao princípio da actual rua Florêncio Granate e com pouca expansão para norte e nascente do largo do Oitão.
Terá sido simples coincidência ou a lenda do tal rei que viveu e foi preso junto a este largo, tem origem noutros factos históricos mais antigos, que se desconhecem? O que é certo é que só a partir dos princípios do séc. XVIII se começou a urbanizar as áreas a nascente e norte deste largo.
Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"
(foto de João B.)

Malha urbana até ao séc. XVIII (3)

Largo do Oitão

Correspondia este pequeno largo ao actual topónimo Jaime d'Oliveira Lobo e Silva. Como o topónimo deixa compreender (significa parte lateral de um edifício), esta área teria sido durante bastante tempo, uma parte dos limites da Ericeira. Através de várias pesquisas que temos feito sobre a urbanização antiga da Ericeira, chegámos à conclusão que tanto para nascente como principalmente para norte deste largo, não houve muita urbanização até ao séc. XVIII.
Este facto não é muito explicável, se bem que Jaime Lobo nos tenha deixado escrito o seguinte motivo histórico: "Nos princípios do séc. XVIII havia na Ericeira junto ao largo do Oitão um chão salgado do qual se dizia, naquele tempo, que ali estivera construída uma casa que servira de residência a um rei que fora preso e que aquele chão fora salgado para nunca mais ali se poder edificar. E, pedindo alguns moradores licença à Câmara para ali edificarem casas, houve dúvidas sobre a concessão de tais licenças. Os requerentes recorreram ao conde donatário que mandou a Câmara que o informasse acerca do assunto e se havia algum impedimento.
A Câmara informou que, dos seus arquivos nada constava, pelo que foram concedidas as licenças.
Também se dizia que naquele chão salgado, estivera construída uma casa que servira de moradia aos capitães que vieram com o exército que a Inglaterra mandara em auxílio de D. António Prior do Crato. Mas um dos requerentes informou o conde donatário de que o exército inglês não havia desembarcado na Ericeira mas sim em Peniche, onde seguira para Torres Vedras e dali para Lisboa, sem ter passado pelas povoações da beira-mar.
Apesar do exército inglês não ter passado pela Ericeira, isso não invalida a lenda do tal rei que fora preso. Esta lenda deveria ter existido fortemente enraizada no povo. Todas as lendas têm alguma verdade, apesar de, lendas que são, não poderem ser comprovadas.
Todos nós sabemos que o D. António Prior do Crato, andou vários meses fugido, clandestino em Portugal procurado pelos espanhóis antes de poder fugir para o estrangeiro através do porto de Setúbal(1).
É muito possível que D. António se tenha refugiado na Ericeira, até porque era ele o donatário da Vila nessa época, por herança de seu pai o infante D. Luís. O que não é compreensível é que a história contada na Ericeira diga que o rei fora preso. Ora D. António não chegou a ser preso, apesar dos espanhóis e de alguns traidores portugueses terem tentado prendê-lo, não o conseguiram, pois ainda houve um punhado de patriotas que o protegeram e salvaram desse trágico destino. Se na realidade D. António passou pela Ericeira e os espanhóis souberam, como tal, destruíram e arrasaram a casa ou casas em que esteve escondido, salgando em seguida o chão. Com o tempo a lenda foi-se adulterando de escondido para preso.
(continua)
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(1) - Segundo alguns consagrados historiadores, embarcou em Setúbal. Outros dizem em Viana do Castelo.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"

(foto de João B.)

Malha urbana até ao séc. XVIII (2)

Rua S. Sebastião ou Rua do Forte (continuação)

Palhano Cordovil, no Dicionário Geográfico de Portugal diz-nos também o seguinte: "A Vila da Ericeira tem o privilégio de não fazer soldados para o serviço real, por serem os moradores obrigados à guarnição do seu forte."
Este costume dever-se-ia ter mantido até à década dos anos sessenta do séc. XIX.
Na investigação que fizemos, encontrámos documentação datada de 31 de Dezembro de 1863, referindo que em todo o Concelho havia 20.563 habitantes, sendo a população da Ericeira de 3.069 habitantes, contribuindo esta, só com 5 recrutas por ano para o serviço militar obrigatório.(1)
Quanto a João de Brito e Sousa de Noronha, sabemos que foi o primeiro governador militar deste forte. Era natural da Ericeira, filho de Luís de Brito e Sousa de Noronha, também natural da Ericeira, e que foi Tabelião e Provedor da Fazenda do Contrabando. Como já descrevemos, responsável pela defesa da Vila da Ericeira, foi casado com dona Maria Luísa Ferreira de Barbuda natural de Peniche, de quem teve numerosa descendência. O seu filho João de Brito e Sousa de Noronha sucedeu-lhe como responsável pela defesa da Vila da Ericeira, tendo falecido em 7 de Outubro de 1697, solteiro, deixando muitas propriedades com que instituiu um morgadio a favor da sua filha ilegítima dona Juliana de Brito e Sousa de Noronha, primeira Morgada da Ericeira (Mais adiante voltaremos a falar da descendência desta Morgada). A partir de meados do séc. XIX, o forte foi perdendo a importância militar que tinha no passado apenas servindo para albergar alguns adidos, tendo sido o último governador militar o major na reserva Joaquim Urbano de Carvalho.
Junto ao forte pela parte norte foi construída por volta do primeiro quartel do séc. XIX, uma residência para os governadores militares. No ano de 1822 já esta casa existia, sendo governador naquela época José Joaquim Silveira Carvalho casado com dona Ana da Silva. Quando em 1880 o forte foi desguarnecido, nesta residência ficou instalada a Filarmónica da Ericeira. Mais tarde, funcionou a Escola Primária do sexo feminino até 1891, data da instalação da Guarda-Fiscal na Ericeira, pertencendo à 5ª Companhia do 1º Batalhão da Guarda-Fiscal de Lisboa. Muitos militares desta corporação passaram pela Ericeira, prestando importantes serviços à comunidade, sendo de assinalar os seguintes: Tenente Gomes da Costa(2), Major Florêncio Geraldo da Silva Granate(3) e Tenente Homero Augusto Lopes das Neves(4).
Ainda relacionado com este forte, devemos salientar alguns acontecimentos ou hábitos da Ericeira. Até ao último quartel do séc. XIX, nas cerimónias da Semana Santa era uso no Sábado de Aleluia e após a missa distribuir-se água benta aos fiéis que acorriam à Igreja de S. Pedro. Estes, depois do ofício divino percorriam a Vila parando no largo fronteiro ao forte onde os soldados da guarnição procediam à queima do "Judas" um grotesco manequim pendurado no meio do largo, bem recheado de pólvora e outros materiais inflamáveis e detonantes e que com o som da música e de muitos foguetes ardia estrondosamente(5).
No recinto sul ao lado do forte, temos conhecimento que desde sempre foi o local escolhido para o sinaleiro do porto executar o seu trabalho, tanto na saída das embarcações como na entrada do porto em tempo de mar bravo.
É neste mesmo recinto que os pescadores têm o hábito de se reunir, ora olhando o estado do mar, ora conversando sobre as pescarias e outros assuntos. Este costume já vem de longa data. Jaime Lobo e Silva deixou-nos alguma documentação em que descreve que era neste local que os pescadores da parte norte da Vila se reuniam, conversando de pé ou sentados em bancos de alvenaria. Já os pescadores da parte sul tinham como local habitual para essas conversas a Pedra do Cebo, de que adiante falaremos.

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(1) - Indicação específica do documento.
(2) - Tenente Gomes da Costa, fundou em 5 de Março de 1893 um semanário na Ericeira. Contribuiu também com algumas iniciativas culturais na Ericeira. Foi um homem muito culto. No Arquivo-Museu da Ericeira existem algumas pinturas e desenhos deste ilustre militar que ficou conhecido na História Contemporânea como chefe militar da revolução que começou em Braga a 28 de Maio de 1926, pondo fim a uma grande instabilidade que reinava em Portugal durante a Primeira República.
(3) - Major Florêncio Geraldo da Silva Granate: militar que muito contribuiu para determinados melhoramentos na Ericeira, nomeadamente na parte norte da Vila, junto à praia do Algodio.
(4) - Tenente Homero Augusto Lopes das Neves: um dos principais dirigentes (vogal representante da Ericeira junto da Câmara) para a construção do mercado coberto, que há muito tempo o povo da Ericeira vinha reclamando e ao qual a Câmara se opôs, apesar desta não precisar dispender nenhuma verba para esta obra. A mesma começou a ser construída no dia 18 de Janeiro de 1932. O tenente Homero foi um dos grandes obreiros desta construção a cargo do comerciante Eugénio Caré. Assim como foi por diligências suas, junto das entidades em Lisboa, que se construiu a muralha das arribas exterior ao forte, em 1941. Deixou descendência na Ericeira, a sua filha, Maria Amélia Fernandes Lopes das Neves.
(5) - Do livro: Arte Sacra, Santa Casa da Misericórdia da Vila da Ericeira, 1944, sérgio Gorjão (Org.).

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"
(fotos de João B.)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (1)

Rua S. Sebastião ou Rua do Forte

Correspondia esta rua ao actual largo Domingos Fernandes, prolongando-se para a rua de Baixo. Primeiramente a rua chamou-se S. Sebastião, antes da construção do forte Nossa Senhora da Natividade. O topónimo forte deriva do facto da proximidade desta fortaleza em relação a toda esta área. Este forte foi construído no séc. XVII (1670), na regência de D. Pedro II.
Encontramos alguma documentação sobre o denominado forte de Nossa Senhora da Natividade. Esta fortaleza foi construída para defesa do porto. Naqueles tempos era habitual os corsários fazerem as suas incursões e assaltos em toda a costa portuguesa, também serviu para a consolidação da Restauração Nacional, em relação aos espanhóis, guerra que durou imensos anos, desde a revolta dos conjurados em 1 de Dezembro de 1640 até 1668 quando foi assinado o tratado com a Espanha. Durante essa época, construíram-se vários fortes na costa portuguesa, como por exemplo; o forte de S. Pedro de Milreu e o de Santa Susana (conhecido como de S. Lourenço).
O forte foi guarnecido com várias peças de artilharia, algumas delas em bronze, que mais tarde (1880) foram transferidas para Lisboa, sendo as restantes, as de ferro, enterradas nas ruas da Ericeira, nomeadamente junto ao forte. Há poucos anos, quando se fez o novo manilhamento do saneamento básico, estas peças de ferro foram encontradas e colocadas nas Furnas, pela Junta de Freguesia, apontadas para o mar.
Já antes da construção deste forte, em 1646, o capitão Lucas Ferreira de Macedo, por ordem do rei, fez entrega à Câmara de um quintal de pólvora e de 40 balas, tudo para servir duas peças de artilharia que o rei tinha instalado nesta Vila. Este material foi logo entregue ao capitão Luís de Brito natural e morador na Vila, para a sua defesa e dos navios que a ela se acolhem*.
Antes da construção do forte, como podemos comprovar, a Vila da Ericeira já era uma praça de armas marítima desde os tempos mais antigos. Na década dos anos setenta do século XX, quando se deu um grande desassoreamento na praia dos Pescadores (dentro de água, na antiga praia), foram encontradas várias destas balas. Algumas ainda estão na posse de moradores da Ericeira, uma encontra-se depositada no Arquivo-Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira.
Ainda relacionado com este forte: "26 de Janeiro de 1680, João de Sousa Noronha, como Ouvidor da Vila e Governador do forte comunica à Câmara que o Conde D. Fernando de Menezes pretende obter do Príncipe Regente um Alvará que escuse os moradores do serviço real, se eles se comprometerem a fazer a guarnição do forte. O povo aceitou a proposta."**
(continua)
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* - Anais da Vila da Ericeira, Jaime Lobo e Silva.
** - Extraído do mesmo livro. Por essa época, tanto o ouvidor (juiz) como o governador do forte eram nomeados nos seus postos pelo donatário da Ericeira, ou seja, o conde da Ericeira, sendo ele que prestava contas dos seus ofícios.

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"
(fotos de João B.)

domingo, 9 de agosto de 2009

Apontamentos para a história do Bairro de Santa Marta

O actual Bairro de Santa Marta era, em tempos antigos, uma povoação distinta e separada da Ericeira e chamava-se o lugar de Santa Marta. É assim que, em documentos dos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, vem mencionado.
A Ericeira (vila) ocupava então uma área que, aproximadamente, era limitada ao norte pelo actual Largo do Forte, ao sul pela Ermida de Santo António, ao poente pelas ribas e ao nascente pelo Largo do Pelourinho. A Fontaínha também era uma povoação separada, e chamava-se o lugar do Rio do Calva.
O terreno compreendido entre as três povoações, era baldio ou constituído por grandes quintais e cerrados.
A primeira Ermida de Santa Marta era situada num local que, actualmente, está dentro do Parque das Águas, e parece ter datado dos fins do século XV.
Em 1649 eram ermitães de Santa Marta, Silvestre Gonçalves e sua mulher, Maria de Mattos; e em 9 de Março daquele ano fez a Câmara o inventário de todos os objectos do culto, ali existentes, tais como: paramentos, alfaias, etc.; e, pelo que se vê do referido inventário, não era nada mau o que ali existia.
A Câmara era quem administrava a Ermida e nomeava os ermitães.
Ali se faziam festas, e por essas ocasiões se realizavam arraiais nocturnos, com fogueiras, bailaricos, etc.
Em 20 de Junho de 1673 um Alvará Régio instituíu a feira de S. Tiago, que ali se realizava em 24 e 25 de Julho de cada ano; e em Janeiro de 1675, os ermitães que então eram Domingos da Silva e sua mãe Gracia da Silva, casada com Tomé Dias, requereram à Câmara dizendo que, quando foram apresentados na dita Ermida se obrigaram a tirar uma provisão para haver feira no rossio de Santa Marta, e porque a Câmara tinha a dita provisão para a dita feira, no que houvera grande dispêndio, e ainda se estava devendo a quantia de 29 mil e tantos réis, eles ditos ermitães ofereciam para aquele pagamento a quantia de 10 mil réis, etc., etc.
Esta primitiva Ermida de Santa Marta, aí por 1760 já se encontrava muito arruinada, pelo que foi demolida, e pouco depois começou a construção da actual, no local em que ora a vemos.
É tradição que as telhas desta nova Ermida foram compradas com o produto da venda do peixe recapturado por um cão, pois antigamente os pescadores levavam nos barcos uns cães de água para recapturar o peixe que se escapava das redes.
Também consta por tradição que esta nova Ermida esteve para ser erigida em Igreja Paroquial, estabelecendo-se ali uma freguesia.
Aos terrenos em volta da Ermida se dava antigamente o nome de mato de Santa Marta, e ainda nos fins do século passado ali se viam muitos casqueiros (tanques especiais para encascar as redes), e muitas cruzetas, ou estacas, para enxugar e corar ao sol, as mesmas redes. Ao sul da actual Ermida havia dois moinhos de vento; ainda existiam no 1º quartel do séc. XIX estes moinhos.
Em 1811 a Câmara concedeu licença a um cabouqueiro para extrair pedra do rossio de Santa Marta, pedra que era destinada a mós de moinho, devendo o referido cabouqueiro pagar à Câmara 200 réis por cada mó que dali extraísse.
Em Setembro de 1818, o 2º Visconde de Balsemão, Luiz Máximo Alfredo de Sousa Pinto, que então tinha residência na Ericeira, mandou lançar os fundamentos de um templo dedicado a São Luiz, Rei, e a santa Isabel, Rainha, no bairro de Santa Marta.
Este novo templo não chegou a ser concluído e era situado no terreno hoje ocupado pelo pátio da garagem de A. Gaspar, onde ainda há poucos anos, se viam os alicerces dele.
Junto ao local denominado Carreira do Navio, houve antigamente estaleiros de construção naval, onde se construíram muitas rascas e outras embarcações. Consta que a última embarcação que ali se construiu, foi a rasca Ericeira, pertencente a Francisco José da Silva Ericeira, que a mandou para o Brasil. A indústria da construção naval era antiga na Ericeira, pois os livros da Câmara, dos princípios do século XVI, já falam dessa indústria; e o foral dado à Ericeira por D. Manuel, também se refere à mesma indústria.
Também em Santa Marta, quase junto às furnas, existiu por muitos anos o Matadouro municipal, que aí por 1878 ou 79 ainda funcionava, sendo demolido pouco depois.
A indústria da cordoaria foi uma das mais desenvolvidas antigamente, na Ericeira, e a última que existiu era situada em Santa Marta.
Em 20 de Janeiro de 1898, um Alvará concedeu autorização a António Lopes da Costa, industrial em Lisboa, para poder explorar por tempo ilimitado, as águas minero-medicinais de Santa Marta, que o referido Lopes havia encontrado em um poço que mandara abrir numa propriedade que ele ali possuía.
Lopes da Costa adquiriu todo o terreno que constitui o actual Parque, e o mandou vedar por um muro, tal como agora existe.
No primeiro decénio do século actual foi construída em Santa Marta a primeira Praça de Touros que existiu na Ericeira.
Era construída em madeira e foi demolida há poucos anos. Ali se deram muitas corridas com grande concorrência, principalmente nas épocas balneares.
Em Outubro de 1929 a Comissão de Iniciativa e Turismo da Ericeira, coadjuvada pela Divisão Hidráulica do Tejo, deu princípio às obras de construção da esplanada ou avenida, circundando parte do bairro de Santa Marta, pelos lados do mar e sul.
A esta avenida foi dado o nome de "Avenida de Frei Fernão Rodrigues Monteiro", em memória daquele Grão-Mestre da Ordem de Aviz que, no ano de 1229, concedeu o 1º Foral à Vila da Ericeira.
Ultimamente foi transferida para Santa Marta a tradicional feira de São Tiago que, tendo sido, em seus princípios, ali instituída, como acima digo, se realizou depois no Jogo da Bola e na Praça dos Condes de Ericeira.
Há muitos e muitos anos que a Ericeira, com as duas pequenas povoações dos seus arrabaldes de norte e sul, constitui uma única povoação que tem, actualmente, um pouco mais de 1 quilómetro de extensão, e sempre em todos os tempos o conjunto das três povoações constituiu um único povo, a mesma gente, as mesmas famílias; todavia, quem observar bem, talvez note uma certa diferença entre a gente de Santa Marta e a da Fontaínha.
O Bairro de Santa Marta era, antigamente, constituído, como actualmente o da Fontaínha, por gente da classe piscatória. Hoje não. Em Santa Marta, hoje, poucos pescadores se encontrarão. São quase todos marítimos, o que faz a sua diferença.
As mulheres do norte da Vila (Fontaínha) são conhecidas no lado do sul (Santa Marta) pela antiga e pitoresca designação de: catueiras do cabo do norte. Ignoro a origem de tal alcunha.
No bairro de Santa Marta nasceu o nosso patrício Manuel Franco, por alcunha o cutêta, oficial da marinha mercante.
Inculto e um pouco rude, era todavia um excelente oficial náutico e muito amigo da sua terra.
Republicano ferrenho, dispendeu, segundo se diz, grande parte dos seus bens adquiridos nas suas viagens de muitos anos, em assuntos de política local. Foi Vereador, Provedor da Misericórdia, e exerceu grande influência política na Ericeira nos primeiros anos da implantação da República.
Foi comandante do navio Alagôas, da marinha mercante brasileira, e como tal, encarregado pelo Governo Brasileiro de transportar para a Europa o deposto Imperador Dom Pedro II.
Era com grande desvanecimento que Manuel Franco recordava, amiúde, esse facto, dizendo na sua pitoresca linguagem: Quando eu trouxe o Pedro para a Europa...... etc. O Governo brasileiro encarregou-me de trazer para cá o Pedro.....etc.
Apraz-me deixar aqui registada uma prova da dedicação que este homem tinha pela sua terra. Reconhecida, como ainda hoje, a necessidade de se construir uma estrada da Ericeira para o norte, Manuel Franco ofereceu, por empréstimo sem juros, o capital necessário para essa construção, e à sua custa mandou um engenheiro proceder aos respectivos estudos, levantar a planta e fazer orçamentos. A estrada não se fez, mas a boa vontade daquele ericeirense parece-me ficar sobejamente demonstrada com estes factos.
Para acabar estas notícias do bairro de Santa Marta, resta-me falar do culto de Nossa Senhora das Necessidades, estabelecido na respectiva Ermida.
As notícias que tenho sobre o assunto são, porém, tão complexas e tão contraditórias, estabelecendo tal confusão, que não me julgo habilitado por ora, a dizer coisas sobre tal assunto.
Pode ser que um dia chegue a deslindar a meada, e então, falaremos.

"Tia Maria Ásquinha"
Jaime O. Lobo e Silva
Novembro de 1932