sábado, 10 de janeiro de 2009

Ano Velho, Ano Novo

Esta quadra festiva que acabámos de celebrar fez-me lembrar as velhas passagens de ano na Ericeira.
Era tradição muito antiga, na noite da passagem de ano, ao tocar as doze badaladas no sino da igreja, toda a população jagoza deitar pelas janelas tudo o que era considerado velho e inútil. Depois celebravam estrondosamente a entrada do Novo Ano usando todo o tipo de utensílios, nos quais batiam freneticamente até se cansarem. O efeito, para quem estivesse na rua, era o de uma imensa, repentina e arripiante trovoada.
Lembro-me particularmente de uma dessas passagens, há cerca de 35 anos, que ficou famosa na Vila.
Havia no cimo da calçada sul da praia dos Pescadores um velho barco de pesca abandonado, a apodrecer e que servia de casa de banho, cheirando mal à distância. Uma vergonha para uma vila turística como a bonita Ericeira. Igualmente, junto à escola primária, mesmo em frente ao Hospital da Misericórdia, havia uma barraquinha que o antigo Ministério da Agricultura ali tinha plantado para venda de produtos hortículas e que já estava abandonada e a apodrecer há muito tempo, servindo também de casa de banho pública. Outra vergonha e foco de insalubridade.
Ora como era tradição os jagozes desfazerem-se de tudo o que era velho na passagem de ano, e como tinham fama de serem unidos e asseados, logo organizaram uma vasta operação de limpeza urbana. Juntaram-se, e já muitos, foram direitos à tal barraca abandonada e arrastaram-na, inteirinha, pela estrada abaixo, produzindo faíscas e um barulho ensurdecedor, em direcção ao largo do Jogo da Bola. E invadindo o perímetro, instalaram-na ainda inteira, bem no meio da praça. Em seguida, apanhando o balanço, dirigindo-se à calçada sul da Ribeira, trouxeram a velha lancha, arrastando-a pelas ruas (...!) até ao mesmo largo do Jogo da Bola.
Aqui as coisas complicaram-se um pouco; o espaço entre os bancos do Jogo da Bola não era suficiente para passar o barco e apesar dos apelos aflitivos de alguns para que aquela onda humana parasse, o resultado foi o violento abalroamento de um dos bancos que foi de imediato arrancado pela raiz.
O mal já estava feito e ali ficou depositado mais um mamarracho, bem no meio do jardim, onde era impossível ignorá-los.
Para completar o trabalho, ainda penduraram nas árvores todo o tipo de enfeites de Natal; Latas do lixo, bilhas de gás, pequenas carroças, etc. Só faltaram as luzes a piscar.
Apesar de na altura, os jagozes da Ericeira terem sido acusados de vandalismo e terrorismo urbano, o certo é que a Vila se viu livre, assim, de todo o tipo de lixo e porcaria que, espalhados pelas suas ruas, tardavam a ser recolhidos dando um ar de desleixo à nossa Ericeira.
Os jagozes eram assim; para grandes males, grandes remédios...

João Bonifácio

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