terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Quadras soltas cantadas


QUADRAS SOLTAS CANTADAS(1)

a) Antes que o lume se apague
Da cinza fica o calori
Antes que o amor se assente
Do coração fica a dori

b) Maragota não é peixe
Maragota peixe é
Está debaixo da solapa
À espera que venha a maré

c) I
Água barrentinha
Não faças mal à barriguinha
Nem de noite nem de dia
Lá p'rá o meio do meio-dia.(2)

II
bem a Nossa Senhora
C'uma facinha na mão
P'ra matar os bichinhos
Que estão debaixo do chão.

d) A gente somos grandes pescadores
Que chegamos hoje à Nazaré
Mas bamos pedir alguma coisinha
P'rá gente não poder ir a pé.

e) I
A armação do Paulo Caiado(3)
Aquilo é uma beleza
Quando bai entrar no porto
Bai com toda a delicadeza.

II
A armação do Paulo Caiado
Nim berga, nim bai ao fundo
Anda lá o meu amor
Qu'é às estrelinhas do mundo.

f) Grande bicho é o sapo
Dá um pulo e fica ficho
Não basta não ter orelhas
Quanto mais sem rabicho.

g) Lá do meio daquele mar
Tá uma pombinha branca
Não é pomba não é nada
É o mar que se alebanta.

h) Não há pão como o pão alvo
Nim carne como o carneiro
Nim peixe como a pescada
Nim amor como o primeiro.

i) Ó mar alto, ó mar alto,
Ó mar alto, sem ter fundo
Mais vale andar no mar alto
Do que nas bocas do mundo.

j) Ó mar, tu és um leão (4)
Só fazes é espuma branca
Ó pobres dos pescadores
Que eram de Bila Franca.

l) Ó menina do almoço
Traga-me lá o jantar
Dói-me tanto o meu pescoço
Para lá 'tão teu olhar.

m) Ó minha pombinha branca
impresta-me o teu bestido
-E o teu bestido é de penas
-E as penas trago eu comigo.

n) Ó minha pombinha branca
Não bás beber auga à bala
Por causa de ti, pombinha
Já meu amor não me fala.

o) Ó meu mexilhão de rolo
Bou à lapa da malhada
E o mexilhão faz arroz
Das lapas não se faz nada.

p) O barco que partiu à linha rétia
Adeus amigo até ber
Quim não sober nadar é um pateta
E ter braços é mesmo que não ter.

q) Parte, parte, pescador
P'rá pesca da sardinha
bai o barquinho à bela
P'ra voltar à tardinha.

r) As ondas do mar são brancas
As do rio são amarelas
Coitadinho de quem nasce
Para morrer no meio delas.

s) Somos barinas, bamos à praia
E os nossos botes bão atracar
E os nossos homes bêm cansados,
Bêm arraibados do mar.

t) Somos pescadores, grande fama
Qu'inda hoje chegamos à Ericeira
À pesca da bela sardinha
Dentro desta pequena traineira.

u) Tenho casaco de abóbora
Forrado de melancia
Os botões de bento norte
E as casas de calmaria.

v) Pirilampo bota abaixo (5)
Teu pai 'tá no Cartaxo
Tua mãe 'tá na Abadia
Cinco réis p´rá demasia.

1) -As quadras soltas devem provir dos tempos da velha Ericeira em que a gente moça cantava à desgarrada na Fonte do Cabo; outras, mais recentes, são a consequência do tradicional passeio de barco, pelo mar, que as raparigas e rapazes davam em dias de S. João e S. Pedro. Das primeiras, algumas há que são variantes das já recolhidas por Teófilo Braga e Leite de Vasconcelos, nos seus Cancioneiros e Romanceiros. (Joana Alves, A Linguagem dos Pescadores da Ericeira)
2) -Trata-se de uma espécie de reza, encantamento ou magia, fórmula de "esconjuro" para quando se bebe água e não se sabe se é potável.
3) -"Estas duas quadras foram feitas há cerca de 40 anos, num passeio ao alto mar, pelo S. João". (Joana Alves)
4) -"Esta quadra foi composta à morte duns pescadores de Vila Franca que estavam na Ericeira a trabalhar nas redes do linguado." Joana Alves). Trata-se de uma invectiva ao mar, que existe em todo o fundo magístico e metafórico do nosso património tradicional.
5) -"Esta quadra não é cantada. É dita pelas crianças quando levantam o copo debaixo do qual guardam, durante uma noite, um pirilampo." (joana Alves). Curiosamente, ainda hoje, há quem diga esta rima às crianças, sendo ritmada à semelhança de uma lengalenga.
"Cancioneiro Regional da Ericeira" - 2000

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom trabalho. Nao só este post mas todo o trabalho. Parabens senhor.