domingo, 15 de março de 2009

Aquele olhar...

Quando éramos pequenos, no verão, costumávamos nadar em pequenos grupos entre a Praia do Sul e a Ribeira (Praia dos Pescadores) contornando as furnas e respeitando a devida distância de segurança das rochas negras daquele promontório. Depois, após um breve descanço e uma sessão de mergulhaços de uma prancha que existia cravada nas pedras junto à rampa de recolha dos barcos, fazíamos o percurso de volta, sempre a nadar. Para nós era um desafio e uma aventura que nos proporcionava um especial prazer e muita adrenalina. Não que isso nos fosse proporcionado apenas pelo sentir da ondulação forte e da proximidade das furnas mas porque por vezes cruzávamos com, ou éramos acompanhados por, grupos de botos ou toninhas; animais da família dos golfinhos mas de maior porte.
E a sensação era incrível! Estes passavam por nós e faziam-no tão de perto que sentíamos um forte abanão na água, produzido pela sua deslocação. Lembro-me de uma vez, uma dessas toninhas acompanhada de uma cria, ter abrandado ao se cruzar comigo, quase parando, e ter-me observado de uma forma enigmática. Para mim, aquele olho redondo, curioso, pareceu-me um mundo de mistérios, uma porta para o universo. Transmitiu-me algo que até hoje não consegui decifrar mas que mudou a minha vida para sempre.
Perguntei-me se aqueles seres saberiam reconhecer o jagoz que temos em cada um de nós. Sorri-lhe e tentei tocar-lhe, ao que ela e a cria responderam com um frenético arranque, tal como faz um cachorro brincalhão. Eram momentos únicos.
Agora, ao sentar-me nas rochas das furnas a contemplar o mar, deixo-me tomar pela nostalgia daqueles tempos. E por vezes, parece-me ver ainda, os seus vultos ligeiros cruzando aquelas águas.
Ainda sinto aquele olhar doce perscutando-me a alma, tão cheio de paz e sabedoria.
João Bonifácio

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