domingo, 15 de março de 2009

O Bibem

Francisco Felisberto Vivient era oficial do exército francês (parece-me que capitão) que por cá ficou depois da retirada de Massena, durante as invasões francesas.
Andou fugido e escondido; e uma noite, não sei quando nem como, apareceu no lugar de Fonte Boa dos Nabos. Ali foi recolhido por Francisco Cristóvão Valverde, fazendeiro, morador naquele lugar, que escondeu o francês em sua casa.
Passados tempos e acalmados mais os ódios populares contra os franceses, o Vivient veio para a a Ericeira, morar em casa de um filho que o Valverde aqui tinha e que exercia a profissão de calafate.
Parece que o francês era homem abonado de dinheiro, pois que, pouco tempo depois de estar na Ericeira, adquiriu o domínio útil do cerrado existente defronte da Igreja Paroquial de São Pedro, conhecido então por Cerrado de Dona Juliana, pois que o domínio directo daquele cerrado havia pertencido à falecida Morgada da Ericeira, Dona Juliana de Sousa e Brito de Noronha.
Mandou o francês demolir uma velha adega que existia no cerrado e ali fez construir uma casa térrea de moradia, a qual hoje pertence, com o cerrado, ao Sr. Joaquim José Simões Gonçalves.
Ali viveu o francês muitos anos, no decorrer dos quais adquiriu mais bens rústicos, chegando a possuir uma regular casa de lavoira, com criados, juntas de bois, etc.
Foi casado com Dona Maria Teresa Vivient, a qual não sei se era francesa se portuguesa.
Segundo me disseram pessoas que conheceram o francês, ele era homem ilustrado e possuía uma boa biblioteca. Ensinou a sua língua e outros conhecimentos aos netos do pobre fazendeiro que o havia recolhido, filhos do calafate, que foram depois oficiais da Marinha mercante, tios e pai do actual oficial de Marinha mercante, Francisco Valverde Santana.
Parece-me que tanto o Vivient como a mulher não faleceram na Ericeira, e nada mais sei acerca deles. (Dona Maria Teresa Vivient, faleceu na Ericeira, a 1 de Junho de 1843).
Só sei que em 1860, o Prior da Ericeira, padre Manuel Maria Ferreira, adquiriu em arrematação judicial, o domínio útil do tal cerrado e casa, na qual morou muitos anos e ali faleceu.
Quando o Marechal Gomes da Costa era um simples tenente e comandava a Secção Fiscal da Ericeira, as senhoras Valverde lhe fizeram presente da espada que havia pertencido ao Vivient, e conservavam em sua casa vários objectos do seu uniforme e equipamento, que serviam de divertimento ao pequeno Francisco Valverde Santana, que os acabou por destruir.
O oficial francês era, e sempre foi, conhecido na Ericeira, não pelo seu apelido de Vivient, mas simplesmente por: O Bibem.
Até em documentos oficiais assim tenho visto escrito.

"Tia Maria Ásquinha"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
Ericeira, Agosto de 1941

2 comentários:

Anónimo disse...

João, mas que fenomenal «estória» da História!
Um dos meus interesses é a História e tenho um fascinio especialissimo pela História da Ericeira, e particularmente por estes episódios tão especiais, que nos ajudam a perceber muita coisa do passado da Vila!

Obrigado por este bom momento de leitura!!

José Henriques

Anónimo disse...

Olá José Henriques
Tal como tu, também eu partilho deste fascínio pelo nosso passado. Cada célula nossa tem gravada em si um episódio dos tempos idos; e todas elas fazem um Jagoz. A História da Ericeira é rica em estórias e todas elas são autênticas pérolas. Para as contar a todas, seriam precisas algumas centenas de blogues como este. No entanto continuarei a selecionar as melhores para rechear o Cantinho do Jagoz.
Um abraço,
João Bonifácio