terça-feira, 5 de maio de 2009

Ti Zé "Caga Lume"


Duas das «instituições» mais emblemáticas do passado da Ericeira, estão hoje práticamente extintas do tecido socioprofissional da terra. Falo das tabernas e dos sapateiros.
As primeiras, por imposições legais relacionadas com a nossa integração na União Europeia, cujas Leis proibem a venda de vinho a copo extraído directamente do barril, e os sapateiros, por uma questão inerente ao próprio fabrico actual de calçado, que lhe conferiu progressivamente, caracteristicas «descartáveis», que nem sequer tornam viável remendá-lo.
Hoje vamos aqui abordar os sapateiros, e em particular um que nos habituámos a ver na Rua 5 de Outubro durante anos, tendo mais tarde transitado para a Rua da Fonte do Cabo, e depois ainda – já mais velho – passou a atender só alguns clientes em casa, na Rua Prudêncio Franco da Trindade, junto à estação dos CTT: o Tio Zé «Caga-Lume».
Nascido na Ericeira em 1924 - onde foi criado, casou e teve a 1ª filha - o Zé «Caga-Lume», era o antepenultimo de 9 irmãos, filhos do Tio António «Caga-Lume», que deu origem à alcunha, por ser ele quem diáriamente acendia a iluminação publica da Ericeira ao final de cada dia, tornando-se uma figura caracteristica da época, com a escada que transportava para subir aos candeeiros e atear-lhes o pavio. Isto dos finais do séc. XIX até ao advento da iluminação publica eléctrica, que surgiu na Ericeira no inicio dos anos 30 do séc. XX.
Durante o dia o Tio António era sapateiro, e tinha com ele a trabalhar os filhos rapazes, até estes se casarem, e começarem a exercer por conta própria a profissão. Foi assim que o Tio Zé começou como sapateiro, mas mais tarde – já casado, e com o serviço militar cumprido – decidiu rumar a Lisboa à procura de melhor vida, e onde já tinha o irmão mais velho, que o orientou no seu ingresso no Batalhão de Sapadores Bombeiros. Tornou-se assim, Bombeiro profissional em 1947.
Até à reforma em 1974, o Tio Zé só exerceu a actividade de sapateiro, para consertar o calçado da familia, e logo assim que lhe foi possivel regressou à Ericeira, onde começou a trabalhar na Rua 5 de Outubro, num edificio que hoje já não existe. Estávamos em 1975. Em 2000 – com 76 anos, e já bastante doente – deixou de trabalhar como sapateiro e regressou a Lisboa, uma vez que os filhos lá residiam, e em função da doença, já requerer alguns cuidados que tornavam a distância incompativel.
Veio a falecer em Agosto de 2003 e os seus restos mortais estão no Cemitério da Vila, junto de todos os seus familiares. Foi musico e membro da Direcção da Banda de Musica da sua terra amada, Bombeiro Voluntário da Ericeira dos 15 aos 20 anos e um tipico jagoz, amigo do seu amigo, dos petiscos bem regados, e que não dispensava a tradicional voltinha diária, que começava no Largo das Ribas, descia às Furnas e regressava ao Jogo da Bola, por uma qualquer rua que escolhia aleatóriamente a cada dia.

José Henriques
(José Henriques vive em Lisboa e traz todos os dias a Ericeira no coração. É filho do tio Zé e, a convite do autor deste blogue, deu a sua contribuição para a História da nossa terra na forma deste post. Obrigado José pela tua colaboração. Este espaço também é teu. Sempre que quiseres.) João Bonifácio