terça-feira, 11 de agosto de 2009

Malha urbana até ao séc. XVIII (2)

Rua S. Sebastião ou Rua do Forte (continuação)

Palhano Cordovil, no Dicionário Geográfico de Portugal diz-nos também o seguinte: "A Vila da Ericeira tem o privilégio de não fazer soldados para o serviço real, por serem os moradores obrigados à guarnição do seu forte."
Este costume dever-se-ia ter mantido até à década dos anos sessenta do séc. XIX.
Na investigação que fizemos, encontrámos documentação datada de 31 de Dezembro de 1863, referindo que em todo o Concelho havia 20.563 habitantes, sendo a população da Ericeira de 3.069 habitantes, contribuindo esta, só com 5 recrutas por ano para o serviço militar obrigatório.(1)
Quanto a João de Brito e Sousa de Noronha, sabemos que foi o primeiro governador militar deste forte. Era natural da Ericeira, filho de Luís de Brito e Sousa de Noronha, também natural da Ericeira, e que foi Tabelião e Provedor da Fazenda do Contrabando. Como já descrevemos, responsável pela defesa da Vila da Ericeira, foi casado com dona Maria Luísa Ferreira de Barbuda natural de Peniche, de quem teve numerosa descendência. O seu filho João de Brito e Sousa de Noronha sucedeu-lhe como responsável pela defesa da Vila da Ericeira, tendo falecido em 7 de Outubro de 1697, solteiro, deixando muitas propriedades com que instituiu um morgadio a favor da sua filha ilegítima dona Juliana de Brito e Sousa de Noronha, primeira Morgada da Ericeira (Mais adiante voltaremos a falar da descendência desta Morgada). A partir de meados do séc. XIX, o forte foi perdendo a importância militar que tinha no passado apenas servindo para albergar alguns adidos, tendo sido o último governador militar o major na reserva Joaquim Urbano de Carvalho.
Junto ao forte pela parte norte foi construída por volta do primeiro quartel do séc. XIX, uma residência para os governadores militares. No ano de 1822 já esta casa existia, sendo governador naquela época José Joaquim Silveira Carvalho casado com dona Ana da Silva. Quando em 1880 o forte foi desguarnecido, nesta residência ficou instalada a Filarmónica da Ericeira. Mais tarde, funcionou a Escola Primária do sexo feminino até 1891, data da instalação da Guarda-Fiscal na Ericeira, pertencendo à 5ª Companhia do 1º Batalhão da Guarda-Fiscal de Lisboa. Muitos militares desta corporação passaram pela Ericeira, prestando importantes serviços à comunidade, sendo de assinalar os seguintes: Tenente Gomes da Costa(2), Major Florêncio Geraldo da Silva Granate(3) e Tenente Homero Augusto Lopes das Neves(4).
Ainda relacionado com este forte, devemos salientar alguns acontecimentos ou hábitos da Ericeira. Até ao último quartel do séc. XIX, nas cerimónias da Semana Santa era uso no Sábado de Aleluia e após a missa distribuir-se água benta aos fiéis que acorriam à Igreja de S. Pedro. Estes, depois do ofício divino percorriam a Vila parando no largo fronteiro ao forte onde os soldados da guarnição procediam à queima do "Judas" um grotesco manequim pendurado no meio do largo, bem recheado de pólvora e outros materiais inflamáveis e detonantes e que com o som da música e de muitos foguetes ardia estrondosamente(5).
No recinto sul ao lado do forte, temos conhecimento que desde sempre foi o local escolhido para o sinaleiro do porto executar o seu trabalho, tanto na saída das embarcações como na entrada do porto em tempo de mar bravo.
É neste mesmo recinto que os pescadores têm o hábito de se reunir, ora olhando o estado do mar, ora conversando sobre as pescarias e outros assuntos. Este costume já vem de longa data. Jaime Lobo e Silva deixou-nos alguma documentação em que descreve que era neste local que os pescadores da parte norte da Vila se reuniam, conversando de pé ou sentados em bancos de alvenaria. Já os pescadores da parte sul tinham como local habitual para essas conversas a Pedra do Cebo, de que adiante falaremos.

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(1) - Indicação específica do documento.
(2) - Tenente Gomes da Costa, fundou em 5 de Março de 1893 um semanário na Ericeira. Contribuiu também com algumas iniciativas culturais na Ericeira. Foi um homem muito culto. No Arquivo-Museu da Ericeira existem algumas pinturas e desenhos deste ilustre militar que ficou conhecido na História Contemporânea como chefe militar da revolução que começou em Braga a 28 de Maio de 1926, pondo fim a uma grande instabilidade que reinava em Portugal durante a Primeira República.
(3) - Major Florêncio Geraldo da Silva Granate: militar que muito contribuiu para determinados melhoramentos na Ericeira, nomeadamente na parte norte da Vila, junto à praia do Algodio.
(4) - Tenente Homero Augusto Lopes das Neves: um dos principais dirigentes (vogal representante da Ericeira junto da Câmara) para a construção do mercado coberto, que há muito tempo o povo da Ericeira vinha reclamando e ao qual a Câmara se opôs, apesar desta não precisar dispender nenhuma verba para esta obra. A mesma começou a ser construída no dia 18 de Janeiro de 1932. O tenente Homero foi um dos grandes obreiros desta construção a cargo do comerciante Eugénio Caré. Assim como foi por diligências suas, junto das entidades em Lisboa, que se construiu a muralha das arribas exterior ao forte, em 1941. Deixou descendência na Ericeira, a sua filha, Maria Amélia Fernandes Lopes das Neves.
(5) - Do livro: Arte Sacra, Santa Casa da Misericórdia da Vila da Ericeira, 1944, sérgio Gorjão (Org.).

Leandro Miguel dos Santos
"Toponímia Histórica da Vila da Ericeira"
(fotos de João B.)

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