terça-feira, 27 de outubro de 2009

Foguetório...!!

(Baseado em factos reais. Os nomes próprios são fictícios)


Eram famosas as festas de Santo António e da Nossa Senhora da Boa Viagem, naqueles tempos.
Mestre Albino e ti Rosa moravam num primeiro andar mesmo ao pé da capelinha no largo da Ribas e deleitavam-se com a vista que tinham, para a festa, da sua pequena varanda.
Daquela vez estava programado para a noite, um fogo-de-artifício de arromba!
O mestre Albino ao cair da tarde disse cheio de cerimónia para a ti Rosa:
- Hoje decidi que vamos comer fora.
A ti Rosa leva as mãos juntas ao peito e exclamou com a voz trémula:
- Ai home! Vais-me levar ao ristorante !?
- Não mulher! Vamos levar a mesinha pequena e dois bancos lá para fora para a varanda e hoje jantamos lá. Parece que vai haver fogo-de-vista.
E assim fizeram. Inchados de orgulho pelo lugar cimeiro e vista soberba sobre os demais, jantaram, e entretidos com o ambiente de festa esperaram pelo respectivo lançamento do fogo-de-artifício.
Naquele tempo, o fogo era lançado de rajada, não de forma automática como hoje, nem com as mesmas normas de segurança. Alguns festeiros juntavam os foguetes aos molhos, encostavam-nos ao muro da Ribas e quando chegava a hora, debruçados sobre a falésia, lançavam-nos numa rápida sucessão acendendo o seguinte com a chama do que já ia a arrancar. Isto executado por um pequeno grupo de homens e de forma contínua, proporcionava um soberbo espectáculo pirotécnico.
E lá partiam os foguetes na direcção do mar para, bem alto, rebentarem num festival de cor e estrondos.
Trrá…TRrá… TRRá… PUMMM!!!
Na sua azáfama de lançador em série, o ti Xico nem reparou que o foguete-que-se-segue trazia a cana com uma forma esquisita. E quando reparou, já era tarde.
Sai o projéctil aos ziguezagues feito uma zarabuca, primeiro na direcção da praia, depois voltando para trás e rasando a capela e o rancho folclórico que tinha acabado de actuar, passa como um foguete (que era) sobre as cabeças do mestre Albino e da ti Rosa e vai enfiar-se na casa de banho ao fundo do corredor.
Sob o olhar estarrecido do casal, e após um breve PUFssss, a casa de banho ilumina-se num arco íris de cores acompanhado de uns estranhos assobios.
Depois o primeiro Trrá…!
A cortina da banheira, infla como um balão, tipo airbag de automóvel.
O segundo TRrá…, um pouco mais forte, faz levantar no ar todo o stock de produtos de higiene, como um jogador de futebol que levanta a bola com o pé e se prepara para a chutar com força.
O terceiro TRRá…, ainda mais forte, projecta pelo corredor fora a escova de dentes da ti Rosa junto com a metade de um sabonete!
Grande aflição naquela casa!
E brutal como um trovão, chega o PUMMM!!!
Com os olhos esbugalhados, o mestre Albino e a ti Rosa vêm passar por eles, num flash, todos os quadros do corredor, um pedaço da sanita e o rolo de papel higiénico pulverizado numa nuvem branca, como se tivesse sido disparado por um canhão.
Em baixo, junto ao passeio, um Jagozito grita:
Avó!... Avó!... Olha, está a nevar!...
Festa é festa! Jagozices...
João Bonifácio

Foguetório...!



Durante as festas de S. Pedro, juntava-se o arraial no adro da Igreja, povoado de filas de bancas saloias onde se podia comprar de tudo o que eram gulosices e comezainas, assistia-se a faustas procissões e ao contínuo foguetório.
Como se costuma dizer, fazem a festa, deitam os foguetes e vão apanhar as canas, mas para variar, éramos nós, os miúdos, quem as íamos apanhar.
Num canto do adro montávamos oficina de espadas, qual artesãos de Toledo, ajustando previamente o comprimento padrão de cada arma para que ninguém ficasse em desvantagem. Dávamos um corte na extremidade mais grossa da cana e introduzíamos, na perpendicular, uma pequena haste feita do mesmo material. Com um pedaço de corda de embrulho fazíamos o punho, atando o corte feito e fixando assim a guarda da espada. Escusado será dizer que logo na primeira refrega a maioria destas ficavam reduzidas a pequenas adagas e algumas, no fim, a simples canivetes.
Ora, pequenada, é o que se via com fartura, a correr e a brincar pelo recinto da festa como bandos de andorinhas a chilrear. Alguns, vestidos com fatinho de gala e com os bolsos cheios de doces, corriam, gritavam, divertiam-se. Para o ilustre visitante que não conhecesse bem a Ericeira e presenciasse toda esta vivacidade, era o que iria pensar: a miudagem nesta terra diverte-se à brava!.
Mas se reparasse bem no olhar dos que corriam à frente, notaria, mais aflição que diversão. Atrás deles vinham os predadores!
É que na época, para além desta “raça” de Jagozes habituados a comer bifinho do lombo, empinocados e com os bolsos cheios de caramelos, havia uma outra “raça” de Jagozes, maltrapilhos, que levavam a semana a comer peixe frito com arroz, sonhando com o Domingo para poder comer uma arrozada de ervilhas com miúdos de frango, jogavam à bola descalços até lhes saltar as unhas dos pés e lanchavam pão com manteiga com um pouco de açúcar para lhe poder chamar “sandes”.
Doces, esses, só os comíamos nas festas, como a de S. Pedro. E para isso, usávamos o que restava dos caniços para, às escondidas, arpoar as broas, nas bancas, enquanto todos olhavam embasbacados para a barragem de foguetório, lançada durante a procissão.
Dividíamos o saque irmãmente e depois, para a sobremesa, caramelos! E desatávamos a correr atrás dos outros miúdos.
João Bonifácio

1507

1 de Setembro de 1507

Por ordem do Ouvidor foi feito inventário de toda a prata e paramentos da Igreja de São Pedro, e tudo entregue à guarda do Juiz Ordinário, declarando o mesmo Ouvidor que assim se devia fazer por ser esse um costume muito antigo desta Villa.
O Ouvidor era um Juiz que os Donatários nomeavam e residia na Villa, onde os representava em tudo que se referia ao exercício dos direitos senhoriais, e conhecia, por apelação, de todas as causas cíveis.
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"Este é o inventário das cousas da Igreja, que João Meão entregou a Alvaro Anes, Juíz, perante mim Tabalião e Gonçalo Pires, clerigo, ao primeiro de Setembro de 1507.
PRATA
Dois calices de prata com suas patenas a saber: um pesou um marco e cinco onças, branco; e outro pesou um marco e três onças, dourado na maçã e nos bordos.
Um turibulo de prata branco com suas cadeias e... com duas argolinhas, tudo de prata, e pesou dois marcos e duas onças.
Uma custódia dourada, com duas cadeiasinhas e com dois fechos de prata e com uma cruzeta com o crucifixo e com 4 pedras de vidro e com a caixa em que anda a hostia quando dizem missa; toda dourada e pesa dois marcos.
Duas coroas de prata a saber: uma branca, que pesou os marcos e tem duas pedras de rubis, e cons uns crescentes dourados; e outra é dourada com um esmalte grande e...
Uma cruz grande de prata dourada, com um crucifixo todo dourado, com uma maçã grande no pé, e dali para baixo, branca.
ROUPAS E VESTIMENTAS
Uma vestimenta de veludo, preta, com a sua alva comprida.
Uma vestimenta que se deu por Dona Izabel; pano brunido de linho, com cruz vermelha, comprida.
Vinte e cinco manteis, novos e velhos, linho estopa. - 25.
Outros manteis novos, tirados de lã vermelha.
Duas mezas de toalhas francezas.
Dez lençoes novos e velhos.
Dois panos de veludo vermelho com que se cobre a gaiola do Corpo de Deus, e uma estóla, todo com enxarafas.
Quatro vestimentas brancas, usadas.
Uma vestimenta usada, de sirgo, pintada.
Uma vestimenta que se deu por o Anjo, listada de rôxo e amarela, comprida.
Uma dalmatica amarela e com enxarafas, a saber: de feição de camisa.
Um pano azul, do cruzeiro.
Dois frontaes.
Dois livros de missas.
Um psalterio de escriptura, de rezar.
Uma sentença dos bens de Gonçalo Anes, e instrumento de petição.
Arca com fechadura, em que toda esta fazenda está, e 50 reaes da rendição das corôas.
Eu, Alvaro Anes, me dou por entregue de todas estas coisas, e me obrigo a dar conta delas.

(Arquivo Municipal, Livro de Actas de 1507).

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1507

27 de Agosto de 1507

Segundo determinação régia, as obras do cais do porto deveriam ser feitas em cantaria; e a Câmara, considerando que, assim, ficariam muito dispendiosas, e que mais económicas ficavam, empregando-se nelas alvenaria, deliberou, em sessão desta data, enviar a Sintra, onde El Rei não estava, o Procurador do Concelho, a representar ao Rei nesse sentido.
"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pescarias - 1


De Inverno, após dar uma olhada pelo cultivo e tratar das galinhas, o Jagoz vai dedicar-se ao seu desporto favorito: a pesca à cana, nas furnas, praias e falésias da Ericeira.
Lembro-me da primeira vez, ainda miúdo, em que fui à pesca com o meu avô, tendo-me emprestado, para o efeito, uma das suas canas artesanais.
Enquanto descíamos a falésia do Miradouro, o meu avô ia desfiando todo um rosário de concelhos, técnicas, procedimentos e estratégias para um bom dia de pescaria; o empatar do anzol, o colocar o isco, o lançar a chumbada, o travar do carrete, o sentir o peixe, o esticão cuidado para o prender, a folga para o cansar e trazê-lo a terra, etc., etc., etc. Durante toda a manhã e parte da tarde prestei atenção a todos os pormenores, como um bom aprendiz. E diga-se com justiça que não fui mau aluno. Conseguia fazer tudo bem. Tudo menos apanhar peixe. E não era por falta de jeito; o peixe é que não estava a dar! O dia estava quase passado e o balde continuava vazio.
Dando a pescaria como quase terminada, o meu avô ainda me perguntou:
- Vai a última?
-Vai! Respondi-lhe eu com o mesmo entusiasmo com que tinha começado naquela manhã.
Isquei o anzol, preparei-me para o lançamento, recuei ... mas aqui esqueci-me de uma das regras fundamentais do pescador: olhar sempre para trás, pelo menos uma vez, para ver onde se vão pôr os pés. E isso eu não verifiquei. Recuei e caí que nem uma pedra, dentro duma enorme poça de água! Na confusão, não sabendo bem o que estava a fazer, acabei por fazer o lançamento, mas ... na direcção contrária, indo o anzol, cheio de isco, fixar-se num monte de chorões que cresciam sossegadamente na encosta das arribas.
Molhado até às orelhas, com cara de quem ficou a ver o mundo de pernas para o ar, ainda ouvi o meu avô dizer entre gargalhadas:
- Pelo menos apanhaste um peixe-chorão! Eu ainda não apanhei nada!
Vendo que era inútil continuar, e porque eu estava encharcado, o meu avô decidiu recolher a pesca. Mas por mais que puxasse, a chumbada não se mexia. O anzol tinha ficado preso.
Eu não podia deixar de aproveitar a oportunidade e disse-lhe:
- Vamos os dois bem servidos! Um apanha peixe-chorão. O outro apanha peixe-pedra!
Ao que o meu velhote respondeu:
A esperança é a última a morrer!... acabamos sempre por apanhar alguma coisa.
De repente, como que por artes mágicas, o anzol soltou-se, devolvendo a possibilidade de recolher a arte intacta.
Enrolava o meu avô a linha com rapidez a fim de que não ficasse presa novamente, podendo ver-se de vez em quando a chumbada ressaltar fora de água, ainda com o anzol iscado, no meio da espuma das ondas.
Já quase na rebentação, onde o mar galgava furioso as rochas, vejo aparecer, bem presa no anzol, uma enorme abrótea. Tinha sido apanhada quase em seco! Afinal havia peixe para o jantar!
"... a esperança é a última a morrer ..." (!)
peixe-chorão e o peixe-pedra, dispensámos. O peixe-último-momento veio connosco e deu uma belíssima refeição.
Jagozices !...
João Bonifácio

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

99 anos depois...




Tripulação e barco «Bonfim», uma das embarcações que transportaram a Familia Real, faz hoje precisamente 99 anos.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

14 de Outubro de 1928

Comissão para a linha férrea

"A fim de tratar de assuntos que se ligam com a construção da linha férrea de Loures à Ericeira, estiveram hoje nesta Vila os membros da Comissão Administrativa do concelho de Loures a conferenciar com a Comissão Administrativa daqui. Os melhores auspícios para tão importante empreendimento, que levantará à altura a que têm direito os concelhos que beneficiarão deste tão importante melhoramento."

A ideia surgiu no início dos anos 20 e uniu os esforços das Câmaras de Loures e Mafra que, para este efeito, se federaram. O projecto pretendia ligar Lisboa à Ericeira, com "automotoras e carruagens em aço e ferro, o que há de melhor e mais moderno. Tal qual como o do Estoril" como descrevia um jornal da época, em 1928. Eram cerca de 90km, a serem percorridos em 1 hora e 15 minutos. De Lisboa a Loures a linha seria dupla, com a mesma bitola dos carros eléctricos de Lisboa. As estações seriam: Campo Pequeno, Carriche, Loures, Lousa, Cabeço de Montachique, Malveira, Mafra e Ericeira, onde seria construída uma estação-hotel mesmo em frente à praia. O custo total da obra era elevado: sessenta mil contos... mas os benefícios eram evidentes; o mesmo artigo enumera-os: "É escusado encarecer a importância desta linha férrea que servindo um dos mais lindos subúrbios de Lisboa, lhe dará um extraordinário desenvolvimento, permitindo não só o alargamento da cidade, como ainda o seu abastecimento rápido. Teremos, então, peixe fresco vindo da Ericeira e as hortaliças e frutas que vêm agora de Loures, custando-nos os olhos da cara, pelo excesso do frete das carroças, descerão a um razoável, compatível com a bolsa esfaimada do lisboeta. No Verão, a Ericeira que este ano teve duas mil pessoas a banhos, tornar-se-á uma das praias mais afamadas do país, com os lucros inerentes à situação. Bem o merece porque bem linda é".

"A Ericeira na Gazeta de Torres" (1927-1933)

1507

21 de Agosto de 1507

Nesta data apresentou-se à Câmara da Ericeira, Gonçalo Rebelo, Contador de El Rei nas Comarcas de Alenquer e Sintra, e mostrou um mandato de sua Alteza, ordenando que a Câmara nomeasse dois avaliadores que, com o dito Contador, procedessem à avaliação dos bens dos moradores da Vila, a fim de lhes ser lançada uma taxa destinada às obras do corregimento do cais e do porto.

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

1507

9 de Julho de 1507

Tendo El Rei ordenado que as Câmaras fizessem as suas sessões duas vezes por semana, 4.ª feiras e sábados, deliberou a Câmara, em sessão deste dia, enviar o procurador do Concelho à Casa do Cível, representar contra tal determinação.
(Segundo o antigo costume, a Câmara realizava as suas sessões ordinárias uma vez por mês, e as extraordinárias quando era necessário. Parece que, depois disto, as sessões passaram a ser semanais).

"Anais da Vila da Ericeira"
Jaime d'Oliveira Lobo e Silva
1932

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rua Prudêncio Franco da Trindade


Todos os Jagozes e amigos da Ericeira, conhecem a Rua Prudêncio Franco da Trindade. Será talvez a principal artéria de entrada na Vila e desemboca directamente na Praça da República, popularmente conhecida por Largo do Jogo da Bola. Tem como edificio simbólico o Hospital, lá bem no alto, mas nela está também a Escola Primária e a Estação dos CTT.
Para os mais antigos é ainda hoje designada por «Estrada de Mafra», e antes de ter a designação actual, chamava-se Calçada Real, tendo passado para Rua Prudêncio Franco da Trindade, no período pós implantação da Republica, tal como aconteceu com muitas outras artérias da Ericeira.

Mas quem foi Prudêncio Franco da Trindade, que deu nome a esta Rua tão central na Vila?
Outras, como a Praça Rainha Dª Amélia, passou a chamar-se Praça da República (Jogo da Bola), o Largo de Santa Marta passou a ser Praça Dr. Miguel Bombarda, a Rua Campos Henriques, que passou a Rua 5 de Outubro, ou seja, passaram a ter todas elas designações muito abrangentes e emblemáticas no âmbito da República! No entanto, a Rua Prudêncio Franco da Trindade ficou com o nome de um Repúblicano local, um natural da Ericeira:

«Nasceu na Ericeira a 25 de Julho de 1866, filho de António Franco Gomes e de Mariana da Conceição Oliveira. Professor primário, foi um Repúblicano convicto, e presidiu à Comissão Municipal de Mafra do Partido Repúblicano Português em 1909. Quando Sidónio Pais visitou a vila e pretendeu deslocar-se à escola onde ele leccionava, opôs-se a tal propósito, o que lhe causou naturais dissabores. Foi preso 18 de Dezembro de 1918.
Iniciado (na Maçonaria) a 10 de janeiro de 1911 no Triângulo nº 135 da Ericeira com o nome simbólico de "Confúcio".
Morreu na Ericeira a 8 de Novembro de 1922.
Tem uma rua com o seu nome na Ericeira.»

In «A maçonaria no Concelho de Mafra» (1910-1935) de António Ventura. EDITORA: MAR DE LETRAS