terça-feira, 27 de outubro de 2009

Foguetório...!



Durante as festas de S. Pedro, juntava-se o arraial no adro da Igreja, povoado de filas de bancas saloias onde se podia comprar de tudo o que eram gulosices e comezainas, assistia-se a faustas procissões e ao contínuo foguetório.
Como se costuma dizer, fazem a festa, deitam os foguetes e vão apanhar as canas, mas para variar, éramos nós, os miúdos, quem as íamos apanhar.
Num canto do adro montávamos oficina de espadas, qual artesãos de Toledo, ajustando previamente o comprimento padrão de cada arma para que ninguém ficasse em desvantagem. Dávamos um corte na extremidade mais grossa da cana e introduzíamos, na perpendicular, uma pequena haste feita do mesmo material. Com um pedaço de corda de embrulho fazíamos o punho, atando o corte feito e fixando assim a guarda da espada. Escusado será dizer que logo na primeira refrega a maioria destas ficavam reduzidas a pequenas adagas e algumas, no fim, a simples canivetes.
Ora, pequenada, é o que se via com fartura, a correr e a brincar pelo recinto da festa como bandos de andorinhas a chilrear. Alguns, vestidos com fatinho de gala e com os bolsos cheios de doces, corriam, gritavam, divertiam-se. Para o ilustre visitante que não conhecesse bem a Ericeira e presenciasse toda esta vivacidade, era o que iria pensar: a miudagem nesta terra diverte-se à brava!.
Mas se reparasse bem no olhar dos que corriam à frente, notaria, mais aflição que diversão. Atrás deles vinham os predadores!
É que na época, para além desta “raça” de Jagozes habituados a comer bifinho do lombo, empinocados e com os bolsos cheios de caramelos, havia uma outra “raça” de Jagozes, maltrapilhos, que levavam a semana a comer peixe frito com arroz, sonhando com o Domingo para poder comer uma arrozada de ervilhas com miúdos de frango, jogavam à bola descalços até lhes saltar as unhas dos pés e lanchavam pão com manteiga com um pouco de açúcar para lhe poder chamar “sandes”.
Doces, esses, só os comíamos nas festas, como a de S. Pedro. E para isso, usávamos o que restava dos caniços para, às escondidas, arpoar as broas, nas bancas, enquanto todos olhavam embasbacados para a barragem de foguetório, lançada durante a procissão.
Dividíamos o saque irmãmente e depois, para a sobremesa, caramelos! E desatávamos a correr atrás dos outros miúdos.
João Bonifácio

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