quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pescarias - 1


De Inverno, após dar uma olhada pelo cultivo e tratar das galinhas, o Jagoz vai dedicar-se ao seu desporto favorito: a pesca à cana, nas furnas, praias e falésias da Ericeira.
Lembro-me da primeira vez, ainda miúdo, em que fui à pesca com o meu avô, tendo-me emprestado, para o efeito, uma das suas canas artesanais.
Enquanto descíamos a falésia do Miradouro, o meu avô ia desfiando todo um rosário de concelhos, técnicas, procedimentos e estratégias para um bom dia de pescaria; o empatar do anzol, o colocar o isco, o lançar a chumbada, o travar do carrete, o sentir o peixe, o esticão cuidado para o prender, a folga para o cansar e trazê-lo a terra, etc., etc., etc. Durante toda a manhã e parte da tarde prestei atenção a todos os pormenores, como um bom aprendiz. E diga-se com justiça que não fui mau aluno. Conseguia fazer tudo bem. Tudo menos apanhar peixe. E não era por falta de jeito; o peixe é que não estava a dar! O dia estava quase passado e o balde continuava vazio.
Dando a pescaria como quase terminada, o meu avô ainda me perguntou:
- Vai a última?
-Vai! Respondi-lhe eu com o mesmo entusiasmo com que tinha começado naquela manhã.
Isquei o anzol, preparei-me para o lançamento, recuei ... mas aqui esqueci-me de uma das regras fundamentais do pescador: olhar sempre para trás, pelo menos uma vez, para ver onde se vão pôr os pés. E isso eu não verifiquei. Recuei e caí que nem uma pedra, dentro duma enorme poça de água! Na confusão, não sabendo bem o que estava a fazer, acabei por fazer o lançamento, mas ... na direcção contrária, indo o anzol, cheio de isco, fixar-se num monte de chorões que cresciam sossegadamente na encosta das arribas.
Molhado até às orelhas, com cara de quem ficou a ver o mundo de pernas para o ar, ainda ouvi o meu avô dizer entre gargalhadas:
- Pelo menos apanhaste um peixe-chorão! Eu ainda não apanhei nada!
Vendo que era inútil continuar, e porque eu estava encharcado, o meu avô decidiu recolher a pesca. Mas por mais que puxasse, a chumbada não se mexia. O anzol tinha ficado preso.
Eu não podia deixar de aproveitar a oportunidade e disse-lhe:
- Vamos os dois bem servidos! Um apanha peixe-chorão. O outro apanha peixe-pedra!
Ao que o meu velhote respondeu:
A esperança é a última a morrer!... acabamos sempre por apanhar alguma coisa.
De repente, como que por artes mágicas, o anzol soltou-se, devolvendo a possibilidade de recolher a arte intacta.
Enrolava o meu avô a linha com rapidez a fim de que não ficasse presa novamente, podendo ver-se de vez em quando a chumbada ressaltar fora de água, ainda com o anzol iscado, no meio da espuma das ondas.
Já quase na rebentação, onde o mar galgava furioso as rochas, vejo aparecer, bem presa no anzol, uma enorme abrótea. Tinha sido apanhada quase em seco! Afinal havia peixe para o jantar!
"... a esperança é a última a morrer ..." (!)
peixe-chorão e o peixe-pedra, dispensámos. O peixe-último-momento veio connosco e deu uma belíssima refeição.
Jagozices !...
João Bonifácio

Sem comentários: