quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Kamikasis

Na minha juventude era limitado o número de putos que tinham uma bicicleta. Era um bem comparável ao possuir um carro nos nossos dias. Não que lhes désse-mos um bom tratamento na altura mas era bastante importante possuir uma pois permitia-nos organizar os nossos "Dakar's"; excursões esporádicas aos arrabaldes da Ericeira.
Uma dessas saídas em grupo fizémo-la à Praia da Foz do Lizandro e ficou-me espiritual e fisicamente marcada para sempre. Não me lembro quantos éramos nesse grupo mas sei que éramos os do costume; aventureiros, destemidos, por vezes loucos a rondar a inconsciência, ou se quiserem, inconscientes a rondar a loucura. O percurso da Ericeira ao Lizandro decorreu calmo, no meio de conversa, provocação, cavalinhos e alguns espalhanços.
Tudo aconteceu num repente; ao chegarmos ao cimo da rampa que dá acesso à praia, os primeiros, que tinham as melhores bicicletas, iniciaram a descida a pedalar em pé, numa velocidade vertiginosa. Como sempre, foram seguidos do resto do grupo; um perfeito poletão de ataque tipo KamiKasi.
Eu tinha na altura uma bicicleta Choper, daquelas com uma roda grande atrás, uma pequena à frente, uma manete de mudanças tipo carro americano automático e... travões que já não travavam. No entusiasmo da descida e na sensação embriagante da velocidade, o "sem travões" só me ocorreu a meio da descida. Sem travões? Não. Tinha o "travão de pé" que normalmente usava em alternativa. A técnica era a seguinte: para parar a "bique" encaixava o pé entre o quadro e a roda de trás e mediante mais ou menos pressão no sapato, travava. Como se fosse o travão da roda de trás de um carro, estão a ver?
Não, não estão a ver porque naquelas circunstâncias, naquele dia, na descida do Lizandro, as coisas correram mal.
Por mais esforço que fizesse para travar, por mais que empurrasse o ténis contra a roda, a velocidade não diminuia. E logo a seguir surgiram os primeiros indícios de alarme. O sapato de ténis começava a deitar um estranho fumo cinzento. Pior ainda, do atrito entre a borracha do pneu e a borracha do sapato, o primeiro começava a levar vantagem e o pé começou a aquecer anormalmente. Pânico! Ultrapasso todos! A roda estava já a descascar a pele do pé e já cheirava a outro tipo de queimado! A descida estava a chegar ao fim! Em frente, o final da rampa, uma estrada transversal em "T" e nenhum tempo restante para parar!
Manobra de emergência; tirar de qualquer forma o pé daquela posição aflitiva. Sai o pé (não me perguntem como) fica o sapato. Final da rampa, atravesso a estrada numa fracção de segundo. Para trás fica a bicicleta e depois, a sensação de liberdade de voo... até aterrar de cabeça, já no areal do rio.
Embrulhado, todo torcido qual destroço de aeronave despenhada, com um pé a deitar fumo, só me lembro de hesitar entre chorar ou desatar a rir. Apesar de mais dolorosa, optei pela segunda solução, acompanhado em coro pelos restantes companheiros de aventura que se tinham juntado ao redor, meio assustados, meio divertidos.
Recordo com carinho esses dias, de Jagozes aventureiros.
João Bonifácio

1 comentário:

Anónimo disse...

ta fixe... :D gosto muito como contas as historias...consegues cativar logo a atençao