terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Espiga em alcunhas

Dia da espiga na Ericeira
Uma história através de alcunhas
( as alcunhas estão todas em itálico)
- Sentado estava o 'Cardeal' na Abadia esperando que os seus fiéis chegassem para começar as cerimónias do dia da espiga.
Passavam alguns minutos das nove da manhã, quando ao longe se ouviu o trote do 'Corisco' que já tinha atravessado uma 'Matalonga', até chegar ao seu destino. Apeou-se o 'Tarzan' que trazia o 'Macaco' consigo e que estava um pouco irrequieto por ouvir o piar do 'Mocho'. Saltou para cima de um 'Barrote' e pos-se de ouvido à escuta. De um pequeno buraco saiu o 'Toupeira', que já tinha a sua tenda montada e preparava-se para matar o 'Bicho', um pequeno 'Lagarto' que ali apareceu, e mais distante uns metros, também a 'Lagartixa', que tratava dos seus aposentos com grande entusiasmo.
Os raios de sol já rasgavam os pinheiros. Neles pendiam as teias de 'Aranha' que pareciam um véu de prata com o bater do sol. A Abadia estava quase cheia. Centenas de fiéis começavam a celebrar. Um cheiro a 'Peixe Frito', a 'Bacalhau' e a 'Carapau' já começava a andar no ar, enquanto o 'Garrafão' permanecia deitado à sombra a descansar as primeiras horas da manhã porque ao chegar a meia-tarde, estaria esgotado de tanta canseira.
Enquanto que por aqui isto estava calmo, no lado oposto o 'Xá' esperava o 'Rei' que como de costume viria de Cascais passar a espiga à Foz.
Na ribeira, 'Mil Homens' os esperavam para o escoltar até à sua tenda onde uma bela mesa já posta o aguardava, onde não faltava o 'Lavagante' da nossa costa.
'Tarau' 'Papum', 'Tarau' 'Papum'. O 'Manacoia' deitava foguetes. Era a chegada do 'Rei' que não era 'Calão' e tinha 'Fala Grossa', ordenou: 'Fecha o Comércio', hoje na Ericeira não se trabalha! O vinho será a 'Ralaças' para todos e haverá festa. Contratei um 'Cómico', um 'Faquir' e um 'Fadista' e para as crianças, um boneco 'Marreta' que será 'Bestial' para manter a alegria habitual. O desfile começava a organizar-se. À frente ia a 'Zaranza' com um 'Pauzinho' a bater num 'Tacho Velho', com força, 'Tuca' 'Tuca', 'Tuca' 'Tuca'. Este todo torto, já não tinha asas; mais parecia o 'Três Cabeças' . O 'Zé das Cabras' levava o 'Chocalho' pendurado, fazendo um barulho que fazia doer as 'Orelhas'.
Mais atrás, vinham 'Trinta' personagens, todas ligadas ao 'Rei', que faziam de guarda-costas e armados aos grandes cestos de que se faziam acompanhar. O 'Mau-Olho' trazia na mão direita o 'Garrafão' de 'Cinco Litros' e do outro lado, bem apertado, o 'Peru'. Um pouco mais atrás, lá ia o 'Pinto Careca', com o seu passo curto a ver se apanhava o 'Galinha' que ia conversando animadamente com o 'Tanoeco' e o 'Estricolim'. A 'Tintureira', sempre apressada, dava de vez em quando, umas corridinhas e levava a reboque o 'Zé Burrinhas' por cima do 'Cascalho' que, sem reparar, pisou o 'Có-Có'. O 'Massapez' que era 'Habilidoso', 'Rodeia' por outro lado, por causa do mau cheiro, e para ver chegar o 'Rei', o que acontecia nesse momento. Sua magestade foi falar com o 'Xá' que estava num pequeno 'Xalé', situado ao pé da ponte de ferro.
Era uma hora da tarde e já havia muita gente alegre. Na tenda do 'Rei', o primeiro prato foi caldeirada, que tinha várias qualidades de peixe: 'Galhudo', 'Cachucho' e 'Pintarroxa', não faltando o 'Dentinho de Sargo' que a um canto parecia chupar a cabeça dum 'Xarrinho'.
Seguidamente, vieram as carnes e houve logo uma voz que disse: cheira que consola! Era o 'Coelho', a 'Lebre' e a 'Raposa'. O 'Pinafum' disse: ó 'Licas', de carnes é que eu gosto! 'Ninguém' toca! 'Fuçao', agarrou-se à concha com fúria, dizendo à 'Fome Negra'. Em seguida bebeu um 'Pirolito' e foi-se deitar debaixo de uns arbustos ao lado do 'Sirineu' que já assobiava que nem um 'Pintassilgo'. Muito 'Pilas', o 'Guéu' foi para o 'Gamanço' de frutas e trouxe 'Cabeça de Melão' e 'Abóbora' para oferecer ao 'Rei' que nessa altura, chupava um 'Esquimó', para refrescar.
Entretanto chega o 'Xá' com uma notícia da Abadia assinada pelo 'Cardeal': - Aqui corre tudo às mil maravilhas. O 'Bigodes' já partiu alguma loiça e anda a rolar no meio das silvas. Tudo normal e bastante animado.
Ao receber isto, o 'Rei' que era muito 'Babão' e 'Xáxá', deu uma 'Risota', manda logo organizar um 'Balhão'. O 'Berguilhas' com o seu banjo e o 'Fanan' com uma gaita 'Táta-Táta', puzeram a 'Manã' e a 'Repolha' a cantar 'Baiana' 'Baiana'.
O 'Tuta' e o 'Nixa' com o 'Ará' e o 'Alhó', começaram com as suas 'Lamúrias' habituais, e áquela hora da tarde já os garrafões não se aguentavam em pé, tão fraquinhos, que não se aguentavam.
O 'Mosca', a 'Mioca' e o 'Barata', fizeram uma limpeza aos restos da comida.
A festa estava animada mas quem apanhou uma 'Carola' foi o 'Chocha' ao ir buscar a 'Cinturinha de Prata' para dançar. Esta com a alegria que estava, empurrou-o e ele foi cair em cima do 'Ouriço'. Muito 'Refilão', disse alguns palavrões: 'Porras', 'Porras', mas a corneta do 'Catanixa' abafava o som de tanta 'Trafulha'. O tempo começava a ficar com 'Cara de Inverno', caia um 'Poalho' e começava a escurecer.
Os 'Caga Lumes' já faiscavam no campo. O 'Canário' já não cantava; só se ouvia o piar do 'Gaivota' que já vinha com um 'Grão' na asa, meio torcido mas muito falador.
O 'Rei' abandonava a barraca e ia de regresso a Cascais. Tinha perdido a calma e já nem o 'Xá' lhe fazia bem. Agora só com água mineral.
O 'Cardeal' continuava bem e dizia ao 'Pinocha' para começar a carregar a camioneta com os que não pudessem aguentar-se de pé. O 'Russo' dizia: - 'Tá Névoa', já se vê mal! E lá andava ele de gatas à procura da velha garrafa que, 'Triste' por ter sido posta de parte e desprezada depois de um dia de grande movimento. 'Zé Anão' agarrado à 'Paulita' e pedindo ajuda ao 'Cagadiço', lá subiu para o carro.
Era o fim de mais um Dia da Espiga. Algumas 'Mantas' sempre vêm ao de cima ao passar o "Jogo da Bola". 'Lapina', de papoila na mão e de 'Tunica' vestida, mantinha-se 'Aleta' para o trabalho do dia seguinte.
Alguns que abusaram de certos frutos menos maduros, iam direitos à 'Pia'. Era o caso do 'Bugalho' e do 'Canina' que não se sentiram nada bem. Assim não acontecia com a 'Tixa' que vinha toda florida e sorridente por ter apanhado a espiga e flores de Maio.
De braço dado com o 'Zé Inglês', chegaram ao "Jogo da Bola" perante o olhar daqueles que só se propuseram a ver passar os alegres foliões desta tradição antiga, da não menos antiga Vila da Ericeira.
Aníbal O. Santos

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito deste teu texto, que me transportou tambem a mim, à Abadia e à Foz, dos Dias da Espiga!
A minha familia é toda da Ericeira, e eu vivi na terra entre 1978 e 1987, onde criei muitas amizades.
Hoje a viver em Lisboa, é com nostalgia, que recordo a minha terra de adopção, e estou atento a tudo o que se escreve e diz sobre a Ericeira.
Há quem diga, que «a nossa terra é onde estão os nossos mortos». No meu caso é absolutamente verdade! Tenho na Ericeira «os meus mortos» e os meus vivos!!

Grande abraço de um jagoz de coração!!


José Henriques

Anónimo disse...

Ah! E faltou dizer, que a minha familia está aí retratada nas alcunhas: «Catanixa» do lado da mãe, e «CagaLume» do lado do pai!

José Henriques

Anónimo disse...

Amigo José Henriques, saudações.
Obrigado pelos teus comentários.
Quero te dizer que o texto é de um Jagoz chamado Aníbal Santos.
Se tens algum episódio teu passado na Ericeira e que queiras que seja aqui publicado, está à vontade para o fazer. Podes enviar para ericeira.58@gmail.com e será publicado.
Ser Jagoz é um estado de graça.
Um abraço. Aparece sempre!