sábado, 27 de dezembro de 2008

Ti Zé Lebre



José dos Santos Reis
"Zé Lebre"
O Sinaleiro que se manteve mais tempo nesta actividade, 31 anos
Nasceu na Ericeira, a 1 de Julho de 1913. Era filho de António dos Santos Reis "António Canejão"* e de Ana da Conceição Carramona "Ti Ana Canejoa". Viveu maritalmente com Jesuina Duarte Reis, de quem teve dois filhos; Miguel e Carmen. Já estes eram adultos quando, em 17 de Novembro de 1966, casou com a "Ti" Jesuina. Anteriormente teve três filhos doutra companheira, que são a Casimira, o António Pedro "Galhudo" e o Francisco Piloto, mais conhecido pelo "Xico Coxo" que tinha o bar da Ribas. O "Canejão", como era conhecido pelas pessoas mais velhas, foi um dos melhores Sinaleiros depois do "Estado" e aquele que, durante mais tempo fez sinais. O "Zé Lebre", alcunha pela qual era mais conhecido, pôs em terra segura dezenas e dezenas de embarcações, na sua maioria já movidas a motor, durante os 31 anos em que foi Sinaleiro. Apenas se deu um acidente, poucos anos depois de começar a fazer sinais, em 8 de Fevereiro de 1955, com a lancha motora chamada "Wanda", cujo mestre era Frederico Côco, que faleceu neste acidente, assim como o tripulante André Coimbra. Neste naufrágio não se pode culpar o Sinaleiro "Zé Lebre", pois mais uma vez a "água tesa"** que vinha do Algodio juntamente com o mar bravo que fazia na altura contribuiu para que se desse a tragédia. Depois desse naufrágio, o "Zé Lebre" ficou bastante traumatizado e só por insistência dos pescadores e, principalmente, pela confiança que lhe continuavam a dar, é que ele voltou a fazer sinais, durante muitos e largos anos, sem que mais nenhum acidente se desse, embora não tivessem faltado ocasiões. Mas a sua grande experiência e sabedoria em medir a altura certa para as embarcações avançarem, contribuiu para que todos regressassem sãos e salvos a suas casas. Foi no recinto em que será (?) erigido o monumento de homenagem aos Sinaleiros dos últimos cem anos, assim como a todos os outros que não foram ainda identificados, que este homem, sozinho, fumando cigarro atràs de cigarro, passou momentos terríveis da sua vida. Houve invernos em que trabalhou na construção civil e porque era essa a altura do ano em que era mais solicitado, chegaram a ir buscá-lo a Santa Iria de Azóia, a cerca de 70 quilómetros da Ericeira, para vir fazer sinais. Como já foi dito, os Sinaleiros naquele tempo, não eram renumerados. Eram os pescadores que lhes davam alguns peixes para a sua "caldeirada"***. O mestre Zé Miguel, já falecido, um dos filhos mais velhos do mestre Toquim, quando "fazia contas"****, nunca se esquecia de tirar algo para o Sinaleiro "Zé Lebre". Faleceu a 4 de Abril de 1983.
*- Este pescador tinha por hábito, quando andava na faina da pesca e começava a chover, despir a sua roupa e guardá-la na coberta da sua embarcação, para quando parasse de chover poder ter a sua roupa seca. Apesar de já haver fatos de oleado, eram caros para a bolsa do pescador da Ericeira.
**- Termo do pescador da Ericeira para definir correntes muito fortes do mar.
***- Quinhão de peixe que pertence a cada pescador, para levar para o seu sustento. Também se usa o termo "teca" apesar deste termo definir qualquer quantidade de qualquer coisa.
****- Dia da semana, geralmente à sexta-feira à tarde ou ao sábado, para se fazer a contabilidade de todo o dinheiro que fizeram da semana anterior até à quinta-feira. Estas contas são feitas da seguinte maneira: depois de deduzidas as despesas de alimentação, combustível e outras pequenas despesas só referentes ao barco durante este período da semana, divide-se o lucro em tantas partes como camaradas (tripulantes) mais cinco partes referentes às artes e ao barco. A compra ou arranjo de qualquer parte da embarcação e das artes de pesca (redes, alcatruzes, anzóis, etc.), não entram para estas despesas, pois são única e exclusivamente da responsabilidade do dono do barco.
"Os Sinaleiros do Mar na Ericeira", Leandro dos Santos - 1994

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